Do Outro Lado das Carrapetas

Do Outro Lado da Carrapeta #1: conheça a DJ argentina Mathilda Mautè

Bem-vindos a nova série do Disconversa: Do Outro Lado da Carrapeta, que será comandada por mim, Larissa Carvalho, e o grande William de Abreu, responsável pelos brilhos semanais de Na Parte Funda da Piscina.

A proposta aqui é fazer um mapeamento de histórias, coletivos e djs espalhados pelo Brasil e pelo mundo. Vamos conhecer submundos musicais, onde estão figuras talentosas que movimentam o organismo dos sons, das ideias e realizações, mas que nem sempre são conhecidas. Em resumo: compartilhar pessoas ou grupos que produzem eventos, trabalham, se dedicam, se apaixonam ou sobrevivem espiritualmente dos 33 rpm. 

Para começar, chamamos a querida Mathilda Mautè: uma DJ argentina de 39 anos, nascida e criada em Buenos Aires, ex-participante de banda punk, professora de literatura e integrante do coletivo Pibas Vinileras – grupo formado somente por mulheres da cena. “Eu toco black music, soul, R&B, funk latino, jazz, disco, afro-caribenhos, mambo, salsa, “brasileirinho” e também ritmos de bossa baião”, conta. 

Conhecemos a Mathilda através das redes sociais e conversamos um pouco sobre a sua relação com a música, influências, e como é ser uma mulher DJ em um ambiente ainda tão machista. Será que é diferente na Argentina? Confira o papo super fino e mergulhe com a gente no primeiro Do Outro Lado da Carrapeta.

Há quantos anos você discoteca? O que isso significa pra você e como surgiu essa paixão? Fale um pouco sobre sua história e relação com a música. 
Minha vida sempre foi ligada à música, me considero mais uma amante da música do que um DJ. Acho que a primeira influência que nós temos é a música que nossos pais ouvem. Em casa, ouvíamos de tudo: Miles Davis, Otis Redding, Coltrane, Dizzy Gillespie, tango, chamamé. Outra influência é, sem dúvidas, a música do bairro. Quando se anda na rua, há músicas por todas as janelas: é impossível não ouvir uma cumbia, por exemplo. 

Na adolescência, fui direto para o grunge: bandas locais como Fun People, Todos Tus Muertos, She devils. Eu também sou da geração que conheceu muitos artistas através da MTV, como Garbage, Veruca Salt, L7, the Muffs e Flash it. Então, de repente, você se vê morando em um país com crise econômica e a única coisa que se quer é esperar até sábado para ensaiar com sua banda, sabe?

Eu e meus amigos formamos nossa banda punk chamada Dirydiegae. Pedíamos microfones e equipamentos pela vizinhança, ou pegávamos emprestados de outras bandas. Foram bons momentos e tocamos em lugares que eram inatingíveis para nós. 

Depois, vieram épocas em que eu estava mais conectada à música jamaicana, reggae antigo, ska e rocksteady. Os anos passam e, às vezes, você esquece o que realmente te excita, o que te salva. Eu sinto a música como aquela que está sempre aí e salva a sua vida. 

Há cinco anos, um amigo, Pablo Vega (DJ e produtor), me passou esse vício de tocar vinil e nunca mais parei. Tocar vinil foi o que me lembrou que eu era música; sinto que é um conhecimento que se adquire sem se dar conta, é muito prazeroso.

 
Você é feminista? Já sofreu por ser mulher nesse meio? Os homens costumam dar apoio ou sempre duvidarem das suas capacidades? Fique à vontade para contar algum caso/história.

Sou feminista e, claro, como em todos os ambientes, você encontra homens que nem pensam em si mesmos como sujeitos privilegiados. Tem de tudo. Caras que pensam que a gente está dominando “a cena” ou que comentam “agora que você está na moda…”. Acredito que 1 a cada 10 bares ou clubes têm uma artista feminina encarregada da música, isso é muito aquém. 

A realidade é que poucos apoiam mesmo. Ou pensam que estão te ajudando e te convidam para um evento, mas não te pagam. Você percebe que o combinado é diferente entre eles, mas isso aconteceu comigo a vida toda, quando eu tinha banda também. 

Pensa que aqui, na Argentina, nós temos a Lei 27.539 de cota feminina que exige que 30% dos artistas sejam mulheres. Aí os produtores, curadores e organizadores de eventos devem sempre repensar e adaptar a lei à sua grade semanal. Mas essa lei é muito recente, foi regulamentada no final de 2019 (pré-pandemia) e iniciada em 2017 pelo cantor Mel Gowland, primeiro vice-presidente do Instituto Nacional de Música (Inamu).

A partir disso, organizou-se um trabalho coletivo entre músicos de diferentes gerações e estilos, com o objetivo de dar visibilidade a todas as mulheres artistas e buscar uma programação mais justa. Tivemos muitas situações midiáticas, como a polêmica declaração de José Palazzo, criador de um festival muito importante denominado “Cosquín Rock”, que garantiu que “não há mulheres talentosas suficientes” para as festas. Houve todo um alvoroço. São momentos de desconstrução, de repensar o lugar que a mulher ocupa em relação ao seu corpo e em cada um dos espaços sociais.

As Pibas Vinileras.

Você faz parte do Pibas Vinileras desde quando? Qual a importância de um coletivo assim no meio e o que vocês promovem?
Encontrar o Pibas Vinileras foi a melhor coisa. Ano passado, quando a quarentena foi flexibilizada, Nina e Barbi foram a um lugar onde eu era DJ, começamos a conversar e me convidaram para participar de um evento com elas. Fui, conheci todas e foi uma vibração muito boa imediatamente.

A verdade é que vivo com um alívio e alegria de pertencer a um grupo de mulheres. Fomos educadas na competição e é necessário mudar a visão em que se vê outra mulher como concorrente. Quando experimentamos essa ideia de irmandade, percebemos que esse conceito (que muitas vezes parece utópico) é fantástico, dá poder. Hoje em dia, acho que não há outro jeito de vivenciar a arte sem ser formando uma comunidade e tecendo redes reais. A competição já ficou para trás.

O Sindicato de Pibas Vinileras foi formado em 2019 com o intuito de realizar um coletivo que tornasse visível a vasta presença de Mulheres DJs ligadas ao mundo dos discos, ecoando luta por igualdade e nos encontrando com tantos grupos semelhantes no mundo. 

Realizamos diversos encontros até chegarmos ao que hoje promovemos como “Clube Feminino do Vinil”, quando trazemos DJs com diferentes estilos (Rock, Punk, Soul, R&B, Latin, Reggae, entre outros), somando à Feira de Design de Mulheres Dirigentes e Criativas. 

Vocês têm contato ou conhecem outros coletivos femininos de vinis dentro ou fora do país?
Ano passado quando comecei com Twitch, conheci o Uh Manas, um grupo de mulheres do Brasil e fiquei boquiaberta porque são incríveis. 

Quais são suas grandes influências da música/djs? Curte algum artista brasileiro? Se sim, qual?
Acho difícil falar sobre influências porque pode ser muito injusto. Para uma amante da música, tudo é influência. Mas vou citar alguns artistas que parecem icônicos para mim: Billie Holiday, Aretha Franklin, Otis Redding, James Brown. Também devo mencionar Motown e Stax, fusões latinas, além de Fania, Phillis Dillon, Erykah Badu.

Quanto aos djs, Natasha Diggs me parece ser a minha melhor referência. Além dos incríveis Loui Vega e Joey Negro (Dave Lee), D Nice fez uma grande proposta na quarentena e fez horas de transmissão dedicadas aos melhores do gospel. Parecem-me artistas incríveis, que mantêm a música viva.

Artistas brasileiros como Tim Maia, João Gilberto e Luiz Bonfá me derretem de amor, além de Caetano Veloso, Sergio Mendes, Gal Costa e Adriana Calcanhotto.

Ela também preparou um set especial para o Disconversa estreando o nosso DCV SESSIONS! Confira a seguir:

Siga o Twitch e fique por dentro de quando tiver live e apresentação de Mathilda Mautè.

O que acharam dessa série? Deixe sugestões nos comentários ou entre em contato pelas nossas redes sociais.

Larissa Carvalho

Larissa Carvalho

Larissa é pesquisadora, multi-instrumentista e futura pandeirista. Fã dos caranguejos com cérebro, curte uma baguncinha digital-analógica e vê a música como uma experiência atemporal, gostosa de comer e acessível.

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