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O Maravilhoso pessoal do Ceará

Em meado dos anos de 1960, um grupo de amigos e amigas, se juntavam à beira mar¹, em frente ao mar do Mucuripe², pertinho do farol e ali criavam suas músicas e compartilhavam seus sons. Fazendo um paralelo com um outro famoso grupo de amigos, o Clube da Esquina, composto por Milton Nascimento, Beto Guedes, Márcio Borges, Lô Borges, entre outros. que se encontravam na esquina das ruas Paraisópolis com Divinópolis em Belo Horizonte também nos anos de 1960. Porém no Ceará, eram Ednardo, Rodger Rogério, Teti, Belchior, Amelinha, Fagner entre outros. Desses encontros, surgem músicas que certamente já cantamos e nos emocionamos; desses encontros surgem parcerias, e sobretudo entusiasmo para encorajar um ao outro a correr atrás dos seus sonhos.

No início dos anos de 1970, muitos destes artistas deixaram o Ceará rumo ao sul do Brasil, mais especificamente, para o eixo Rio/São Paulo. Foram aos poucos sendo reconhecidos e se inserindo no meio artístico/musical. Fagner foi um dos primeiros a conseguir mostrar o seu trabalho. Em 1972 lança um compacto chamado “Cavalo ferro”, ainda em 1972, Fagner divide com Caetano Veloso, cada um em um lado do disco, o Disco de Bolso³, compacto de 7” contendo duas canções, que vinha junto com o Jornal “O Pasquim”.

Contudo, foi em 1973 que ele consegue lançar seu primeiro disco solo, “Manera Fru Fru Manera”, pela gravadora Philips, que contava com um cartel de artistas já renomados, como Caetano, Chico Buarque, Gilberto Gil, Elis Regina, Nara Leão, entre outros. Inclusive, Nara Leão que já tinha uma carreira de 10 anos de sucesso nacional e até internacional, participa do primeiro disco do Fagner, o que contribui significativamente na divulgação do álbum.

No ano seguinte, em 1974, Belchior lança o seu primeiro álbum pela Chantecler, uma gravadora menor, localizada em São Paulo, que teve fundamental papel no lançamento de artistas ligados à música regional brasileira. Conhecido como “Mote Glosa”, o primeiro álbum de Belchior, apesar de não fazer tanto sucesso, continham lindas canções, dentre elas “A Palo Seco” que foi ficar nacionalmente conhecida em 1976 quando Belchior a regravou com um novo arranjo, no seu segundo álbum “Alucinação”.

Assim como Fagner, que contou com a participação de Nara Leão em seu primeiro álbum, o que contribuiu para a sua divulgação. Em 1976, Elis Regina, que naquele momento já era uma celebridade e uma das maiores cantoras brasileiras, grava o seu disco “Falso Brilhante” que conta com duas canções de Belchior, até então um desconhecido do grande público, são elas: “Como nossos pais” e “Velha roupa colorida”. Falso Brilhante foi lançado em janeiro de 1976 e é o disco mais vendido da carreira de Elis. Ou seja, o disco foi um grande sucesso e a interpretação de “Como nossos pais” feita por Elis Regina é uma das canções de maior sucesso da carreira da artista.

Seis meses após Elis lançar seu disco, em junho de 1976, Belchior lança o disco Alucinação e já sendo devidamente conhecido do grande público por suas belas canções, Belchior faz grande sucesso com esse disco e com os que lançou em seguida: “Coração Selvagem” em 1977, “Todos os sentidos” em 1978 e o “Era uma vez um homem e o seu tempo” em 1979.

Retornando a 1973, Ednardo, Rodger Rogério e Teti, formam “O pessoal do Ceará” e lançam o disco “Meu Corpo Minha Embalagem Todo Gasto na Viagem” pela gravadora Continental. Este disco teve três edições em vinil, a primeira em 1973, a segunda em 1976 e uma terceira edição em 1983, cada edição teve uma capa diferente da outra. No ano seguinte, em 1974, Ednardo lança o seu primeiro disco solo, “O Romance do Pavão Mysteriozo”, que fez relativo sucesso e o projeta nacionalmente. Por conta do sucesso do primeiro disco solo de Ednardo, a Continental lança uma reedição do disco “Meu Corpo Minha Embalagem Todo Gasto na Viagem” em 1976.

Nesta segunda edição a capa conta com fotos dos integrantes e o nome do Ednardo destacado no centro, já que na primeira edição a capa era mais conceitual, onde tinha apenas a imagem de um tecido de renda e o nome do álbum no canto superior esquerdo, de forma bem discreta, não contendo o nome dos artistas, acabando por não ser uma capa com um grande apelo comercial. Em 1975 Rodger Rogério e Teti lançam o disco “Chão Sagrado” pela gravadora RCA. Trata-se de um belíssimo álbum que infelizmente não fez sucesso na época e acabou vendendo muito pouco. Hoje em dia é um disco bem raro e muito valorizado no mercado do vinil.

Em 1977 foi a vez de Amelinha, mais uma cearense, a lançar o seu primeiro álbum “Flor da paisagem”, pela gravadora CBS. Amelinha contou com a contribuição, em parcerias musicais e produção, do seu amigo e conterrâneo Fagner que era um dos artistas que mais vendiam na CBS nesse período. Quando Fagner foi assinar o contrato com a gravadora, pediu que também pudesse trabalhar como produtor. Desta forma, Fagner contribuiu diretamente no lançamento de diversos artistas do nordeste que tiveram a primeira oportunidade de gravar um disco solo na gravadora CBS/Epic. Dentre eles, Zé Ramalho, Elba Ramalho, Cátia de França, Teti, Robertinho de Recife, entre outros.

Em 1978 Amelinha desponta nacionalmente com o disco “Frevo Mulher” também lançado pela CBS. A canção que dá nome ao disco e faz sucesso nacionalmente, é de autoria de Zé Ramalho, até então não conhecido pelo grande público. Contudo, foi também em 1978 que o paraibano Zé Ramalho lança seu primeiro álbum repleto de grandes sucessos, como Avohai, Vila do sossego, Chão de giz, entre outras canções.

Enfim, em 1979, foi lançado também pelo selo CBS/Epic, o disco “Massafeira” gravado ao vivo em Fortaleza no Teatro José de Alencar. “Massafeira”, contava com diversos artistas cearenses. Entre os seus participantes estavam Belchior, Ednardo, Amelinha, Patativa do Assaré, Fagner, Fausto Nilo, Teti e Rodger Rogério.

Esse texto, não tem a intenção de contemplar toda a riqueza artística da música cearense. Para isso, seria necessário muito mais que estas poucas laudas. Contudo, tentei aqui passar um breve panorama e em especial, apontar a relevância da música cearense no contexto da música popular brasileira nos anos de 1970, quando diversos artistas migraram para o eixo Rio/São Paulo para divulgar o seu trabalho. 

Viva o Pessoal do Ceará! Viva o Ceará! Viva o Nordeste! Viva a música popular brasileira! E o meu muito obrigado ao Maravilhoso Pessoal do Ceará.

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¹ “Beira mar” é nome de uma canção composta por Ednardo e lançada no disco “Meu Corpo Minha Embalagem Todo Gasto na Viagem”

² “Mucuripe” é nome de uma canção composta por Fagner e Belchior que foi lançada pela primeira vez no compacto “disco de bolso” lançado em 1972

³ Disco de Bolso era um compacto (disco de 7”) contendo 2 canções, uma em cada lado, que vinha junto com o jornal O Pasquim. Só foram lançados 2 Discos de Bolso, o primeiro com Tom Jobim e João Bosco e o segundo com Caetano Veloso e Raimundo Fagner. A ideia do Disco de Bolso, era de mesclar um artista já consagrado e conhecido do grande público com um artista novato, não conhecido no grande público. Eram os casos de João Bosco e Raimundo Fagner, em 1972.

Anexo:

Álbuns citados lançados pelo selo CBS/Epic:

Raoni Moreno
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Raoni Moreno

Professor de artes e design no Colégio de Aplicação da UERJ, Raoni Moreno é músico, artista, designer e colecionador de discos. Atualmente cursa doutorado pela UERJ, onde pesquisa sobre a arte em capas de discos produzidas no Brasil no período do Regime Militar.