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Djonga: Onde ele solta a voz é estouro

Djonga — Foto: Daniel Assis / Divulgação

Djonga deu à luz na última sexta-feira 13. Enquanto nos preocupávamos com o perigo iminente de um inimigo invisível, o belorizontino torcedor do Galo Doido nos entregou as Histórias da minha área. O artista da rima vive uma fase de artilheiro, conquistando sucesso, acumulando prestígio e alcançando milhões de visualizações na rede. Desde sua estreia, Heresia, lançou um álbum por ano.

Desta vez, Djonga volta sua atenção para o seu lugar. Seus versos narram um cotidiano marcado por sangue, sirenes, choros e velas com o qual muitos se identificam. Porque a realidade de sua área é a realidade comum às pessoas pretas e pobres deste país, sobretudo aquelas que vivem nas periferias e favelas dos grandes centros urbanos. Um cotidiano violento, sim, mas que desperta sentimentos de solidariedade e respeito e meio à dor; e a consciência coletiva: “Então, olha ali no beco a cor do que morreu/ O raio caiu de novo no mesmo lugar

“Histórias da minha área” reflete um momento sensível e atento de Djonga. Sensível à dor da morte, ele chora em memória dos amigos que perdeu e celebra as vidas dos que continuam ao seu lado. Além disso, está atento ao fato de que a realidade de seu lugar é consequência da própria estrutura social, marcada pelas desigualdades de raça, gênero e classe. A natureza do poder estrutural separa a população em zonas, discrimina as pessoas pela cor e as expõe ao risco da morte.

Foto da capa do “Histórias da minha área.” | Créditos: Reprodução

Há alguns elementos que podemos destacar para tentar explicar o sucesso conquistado pelo rapper. Todos presentes nessas canções. Primeiro, claro, sua refinada habilidade lírica. A métrica e o ritmo dos seus versos são inconfundíveis. Segundo, destaco sua capacidade musical, melódica. Isso se mostra em praticamente todos os seus refrões, potentes e marcantes, como em “Todo errado” ou “Esquimó” (de seu debut). No entanto, acredito, ele ainda não explorou toda a sua potência. Como percebemos em “De lá”, ele pode dialogar com outras linguagens estéticas, acrescentar outros instrumentos e extrapolar os limites que hoje notamos em sua musicalidade. Capacidade ele tem de sobra.

Sua inteligência sarcástica o permite rimar sobre qualquer assunto, a qualquer momento. Não importa se ele trata do racismo ou da violência policial, do romance ou do sexo. Nem mesmo se cita alguma celebridade, um jogador de futebol, um meme. Djonga mantém a naturalidade. Notamos que ele é sincero quando canta, o que transmite confiança para quem ouve.

O tempo há de mostrar se “Histórias da minha área” vai reverberar tanto ou mais que seu antecessor, “Ladrão” (2019), que rendeu a Djonga o prêmio popular de melhor álbum (RedBull) e a indicação na mesma categoria do Prêmio Multishow. Para a Associação Paulista de Críticos de Arte, Djonga foi O artista do ano no ramo da música. Algumas de suas canções, como “Leal” e o single “Música da Mãe” ultrapassaram as 20 mi de visualizações no YouTube. O homem é um fenômeno, uma espécie de Midas negão do rap brasileiro que transforma em hit tudo o que toca. Suas participações em “Favela Vive 3” e “Poesia Acústica #4” reforçam isso.

Seu segundo trabalho, “O menino que queria ser deus” (2018) representa um momento de inflexão na sua discografia. Talvez transformado pela experiência da paternidade, Djonga abriu espaço para tratar dos seus sentimentos com certa delicadeza, para falar de suas fragilidades sem negá-las. Como se a força do amor que se materializa em seu filho o levasse a perceber o mundo com outros olhos, a lutar contra o embrutecimento que aflige o corpo e a mente de todo preto brasileiro. Particularmente, considero este seu grande momento até agora.

Podemos traçar alguns paralelos entre “Histórias da minha Área” e “Heresia” (2017). As canções dialogam porque refletem os anseios e as angústias do mesmo ambiente, relatam a vida que nasce, cresce, se reproduz e morre nos becos e vielas da zona leste de BH. Nesses dois momentos Djonga fala de seu lugar, mas, agora, sob uma outra perspectiva, mais madura e reflexiva. Uma forma realista, mas esperançosa de encarar a realidade, o que faz lembrar a clássica “Mágico de Oz” dos Racionais Mc’s.

A menos de duas semana de seu lançamento, ainda é cedo para tirar grandes conclusões a respeito do possível impacto do álbum e de seu lugar na obra do artista. Podemos, no entanto, admirar a aversão ao conformismo e à mesmice que Djonga demonstra, se esforçando sempre para superar, se reinventar em relação ao que fez anteriormente. Um artista que marcou o final da última década e que, ao que tudo indica, tende a crescer ainda mais nos próximos anos, estabelecendo-se como uma referência histórica do rap brasileiro.

João V. Bessa
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João V. Bessa

João V. Bessa é estudante de Comunicação Social (UFSJ). No jornalismo, dedica-se à editoria de cultura, com ênfase na música. Também realiza trabalhos de pesquisa acadêmica, tendo iniciado sua carreira com o artigo "O rap, as subjetividades pretas e a indústria de cultura". Fluminense, nasceu na cidade Cordeiro. Nas horas vagas, toca guitarra.

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