“Mesmo trancado em casa ninguém segura a gente” – Uma análise técnica de Assim Tocam Os Meus Tambores
Lançado em setembro, o oitavo álbum da carreira de Marcelo D2 é um marco em sua discografia. Consequência direta da pandemia do COVID-19, o sucessor de Amar É Para Os Fortes (2018) teve todo o seu processo transmitido através da plataforma Twitch, com mais de 100 horas de lives exibidas.
Com 12 músicas inéditas, o álbum contou com parceiros de longa data como DJ Nuts e Mario Caldato Jr. Também são presentes artistas da cena contemporânea, a exemplo de Liniker, Juçara Marçal, Djonga e Russo Passapusso. Definido como um projeto transmídia, ATMT inclui um filme realizado pela Pupila Dilatada, empreitada de D2 (que dirigiu e produziu o vídeo) e sua esposa, a produtora audiovisual Luiza Machado, que assina a produção executiva e direção do média-metragem.
Revolucionário em sua forma de produção e no discurso, Assim Tocam Os Meus Tambores é um dos retratos mais fiéis de 2020. Com um artista de mais de vinte anos de carreira que segue mantendo sua sonoridade atual, D2 protesta contra a extrema direita que assola o Brasil, afirma suas raízes e dialoga com seu público e companheiros de classe, todos unidos na sobrevivência ao ano mais estranho do século XXI.
Lançado em vinil pela Noize Record Club, o kit inclui disco translúcido, um slipmat (tapete de feltro para o toca discos) e uma revista sobre a obra, que tem em suas páginas centrais um papel especial para a confecção de piteiras. A convite do Disconversa, o colunista Luiz Antonio Caldeira Falci falou sobre o LP tecnicamente. Confira!
O disco é recheado de samples, alguns até incorporados a partir de arquivos em mp3. Devido às circunstâncias ímpares da gravação, fica muito difícil adotar critérios técnicos ou até mesmo subjetivos para avaliar o produto final. Acho que avaliar nem cabe no contexto dessa obra. Não consegui uma fonte digital lossless (áudio sem perda de dados) então tive que me virar com o mp3 do Spotify para fazer a comparação.
Acredito que a audição foi suficiente para constatar que não rolou uma masterização separada para cada formato – foi feita uma única para digital e vinil. De qualquer forma, realizei a medição que pode ser conferida na imagem abaixo. Gravei com uma variação mínima no volume mas, descontando o corte grotesco das frequências agudas (maldito mp3), deu para confirmar que é o mesmo mix.
Existe uma variação sensível de qualidade no equipamento usado para gravar cada pedaço de cada música e, em alguns casos, até mesmo os vocais. Mesmo com esse aspecto de colcha de retalhos, a masterização se dobrou e desdobrou para entregar um som majoritariamente homogêneo. Nunca pensei que fosse ouvir um áudio gravado em mp3 tocar em vinil e, por mais estranho que soe vindo de alguém que presa muito por qualidade de áudio, eu gostei.
Uma das minhas referências de um formato de qualidade limitada impresso em outro com possibilidades um pouco mais amplas é o Random Access Memories (2013) do Daft Punk. Eles jogaram de tudo, até midi, só que a masterização do vinil foi toda de caso pensado e o som é inacreditável. Eu nunca tinha ouvido um midi “respirar” antes e foi uma experiência sensacional.
Aqui no D2 parece que a direção é a oposta. A masterização não tenta te enganar, ela deixa bem claro que o disco, as limitações da Twitch e as proibições dessa maldita pandemia são a espinha dorsal do projeto. O trabalho de arte me agradou demais, eu amo esse papel com cheirinho de borracha e vinil transparente é sempre um luxo. Vi uma ou duas pessoas reclamando de disco empenado mas até hoje não tive esse problema. A revista está sensacional e foi o projeto gráfico mais legal das que eu já li. No visual eu dou um 8,5 feliz. No som eu me abstenho de dar nota.
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Luiz Antônio Caldeira Falci tem 32 anos, é advogado, colecionador de música e consumidor ávido de cultura em geral.
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