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Do Outro Lado da Carrapeta #3 – Conheça Farbie, a DJ carioca que vem tocando as brabas em Tel Aviv.

Esta coluna é apresentada por mim, William de Abreu (que assino também a Na Parte Funda da Piscina), e Larissa Carvalho.

A proposta aqui é fazer um mapeamento de histórias, coletivos e djs espalhados pelo Brasil e pelo mundo. Vamos conhecer submundos musicais, onde estão figuras talentosas que movimentam o organismo dos sons, das ideias e realizações, mas que nem sempre são conhecidas. Em resumo: compartilhar pessoas ou grupos que produzem eventos, trabalham, se dedicam, se apaixonam ou sobrevivem espiritualmente dos 33 rpm. 

Para quem não conhece, AINDA, a farbie é uma DJ nascida e criada no Rio de Janeiro, atualmente morando em Tel Aviv. Apaixonada por funk, suas outras especialidades são afrobeat, trap e chill baile – “basicamente, tudo pra fazer o povo dançar” como ela gosta de falar quando perguntada sobre o que rola em seus sets. Tem como destaques os dj sets nas rádios Rinse France, de Paris, e Reprezent Radio, de Londres, e nas festas Sleazy e Rebola, em Tel Aviv.

A entrevista aconteceu via e-mail e está na integra aqui para você ler, reler, ler mais uma vez e ir ouvindo tudo que foi indicado, comentado e referenciado nessa entrevista que ficou tão bom quanto aquela passagem braba que só quem é fera na arte da mixagem ao vivo sabe mandar. Pega a visão, cria:

Farbie em ação. | Créditos: Reprodução

DCV: Comenta pra gente, um pouco como se deu todo esse rolé de começar a tocar e como a Hannah se tornou a DJ Farbie.

Farbie: Então, pedi pra um amigo DJ, o Kalil Motta (uma das minhas ref!), me mostrar como funcionava o Traktor, e aí comecei a estudar como se montava um set. No início, eu anotava tudo, todas as transições, marcações de tempo, qual efeito ou looping eu queria fazer, e aí gravava o set com o caderno do lado. Daí em 2020 comecei a trocar mais ideia com outros DJs e produtores, mandar os sets que fazia com músicas deles, e aí começaram a surgir alguns convites pra fazer sets pra rádios, tanto do Brasil quanto da gringa. Ano passado toquei pela primeira vez ao vivo mesmo, numa festa na casa de amigos, e numa dessas festinhas em casa conheci uma produtora israelense que me botou na fita numa festa daqui.

 Há quanto tempo você mora em Israel e por que resolveu mudar de país?

Moro aqui há 3 anos. Eu queria estudar Cinema, e já conhecia Tel Aviv, tinha amigos, parentes… Ao mesmo tempo, queria sair de casa e me tornar independente financeiramente, mas via que no Brasil não tava rolando. Como sou judia, o governo israelense oferece vários benefícios quando você se muda pra cá (um processo que se chama aliá), então achei que valia tentar.

– O que você mais gosta de tocar e qual é a sua relação com a música? Por que começou a ser DJ?

Atualmente, acho que o que mais me divirto tocando é funk, afrobeat e UKG.

Eu sempre gostei DEMAIS de música, tipo sempre fui meio obcecada fora do normal. Sonhava em tocar bateria, mas nunca aprendi. Com uns 20 anos, comecei a frequentar muita festa no Rio, e adorava ficar perto dos DJs, observando, catando as músicas no Shazam, batendo palma, levantando a bola mesmo. E aí em 2018 eu me toquei que tinha muito pouca mina no rolê, tanto de DJ quanto de produção de beat. DJ Tranzimbah deu o empurrãozinho final, e comecei a tocar mais de brincadeira mesmo, sem equipamento, sem muita divulgação. Só em 2020 comecei a levar mais a sério.

– Vi que você toca bastante funk em festas e boates. Inclusive, a música “Vamos pra gaiola” estava sendo cantada em um dos seus vídeos no Instagram. As festas são para brasileiros ou os gringos aprenderam a cantar também? Como funciona essa relação dos israelenses com a música brasileira, sobretudo o funk? 

Eu já toquei em festas israelenses e em festas mais brasileiras. A galera israelense muitas vezes vê música brasileira como samba, ou como sinônimo de música latina, e aí pensam em reggaeton. Nos últimos anos, alguns funks estouraram aqui, tipo Baile de Favela, Bum Bum Tam Tam, e agora algumas músicas que ficaram famosas no TikTok. Mas no geral eu noto que a galera não tá tão acostumada com BPMs mais altos, e muitas vezes podem estranhar o fato de não entenderem a letra da música (o que rola menos com inglês e espanhol).

– Isso me faz questionar: como carioca, o que isso significa pra você? Tem uma questão afetiva envolvida? É mais sobre apresentar um importante gênero brasileiro ou sobre sentir uma saudade de casa?

Tem muito uma questão afetiva. Eu respeito demais a cultura e as raízes do funk, que pra mim são intrinsecamente ligadas ao povo negro e periférico no Brasil, assim como o samba na sua época, ou o hip hop. E eu acho que o funk ainda é muito mal visto e mal quisto no Brasil, então tento trazer essa cultura pra cá, representar aqui um corre que tá rolando aí há décadas, que é de popularizar essas outras narrativas e realidades periféricas. Sempre com cuidado pra representar, não me apropriar. E logicamente tem essa parte de tentar matar a saudade de casa né!? Juntar os brasileiros, mandar passinho, tem muito uma questão de preservar a nossa cultura aqui.

– Você consegue sobreviver sendo DJ ou tem outra profissão?

Não, hoje em dia o trampo de DJ é secundário. Eu faço Mestrado em Cinema e trabalho numa empresa de hi-tech, então acaba que toco mais por amor do que por dinheiro. Desde que comecei a tocar, há um ano, tive uma média de um rolê por mês, então por enquanto não dá pra pagar as contas.

Conhece, ou faz parte, de algum coletivo de djs ai na sua região?

Não. Mas faço parte de uma produtora e coletivo chamado Pista Crew, com uma amiga de Porto Alegre e um amigo carioca.

Como funcionam as festas por aí? No sentido de, espaços, público frequentante, contratação de serviços… Explicar um pouco como seria uma típica festa que você tocaria ai em Tel Aviv.

Aqui tem bem menos festa de rua de graça, então geralmente o rolê é em alguma boate. E, como é uma cidade bem menor, os espaços tendem a ser menores também. Eu diria que em metade das boates a entrada é de graça, e aí tem festas que o ingresso é 50, 100, 200 shekel (o shekel ta 1,5 real).

O público aqui é bem misto, é uma cidade bem internacional, então geralmente tem israelense, americano, russo, argentino, mexicano, tudo num rolê. Acho a galera bem menos animada e solta no sentido de dançar, não tem tanto essa coisa do calor, de dançar colado, suando um no outro, berrando a música, fazendo coreografia. Sinto falta disso. 

Comente um pouco como é a experiência de estar como uma dj mulher vinda de outro país nesses ambientes. Rola muitos problemas com isso? Xenofobia, machismo, etc…

Xenofobia acho que nunca passei nesse sentido da música. Só rola esse estranhamento mesmo, quando é um BPM muito alto ou funks menos mainstream, com o grave estourado propositalmente ou com o efeito do tuin, por exemplo. E rola de acharem que música latina é sinônimo apenas de reggaeton né.

Machismo rola. Caras tentando explicar coisas óbvias, perguntando se eu quero que eles toquem no meu lugar. Ou desrespeitando o espaço, subindo no palco mesmo eu pedindo que não. Mas isso só me deixa mais bolada e forte.

Farbie Dj | Créditos: Reprodução

No seu instagram vejo participações em festas diversas e teu trabalho desenvolvendo. Ficamos felizes e perguntamos se você pensa em produzir suas próprias festas num futuro breve. Tem algo para nos contar?

Então! Junto com a galera da Pista Crew, eu tô produzindo uma festa mais voltada para o público brasileiro, a Rebola.  Fizemos a primeira edição oficial em março e foi sucesso, e a próxima foi no dia 6/5! Tô bem animada com esse projeto. Eu falo dessa ideia de fazer uma festa BR aqui desde que cheguei, em 2019. Finalmente tá começando a acontecer!

O que tá rolando de mais legal na cena musical de Tel Aviv? Tem quais Djs que você olha assim e fala “porra essa pessoa ai é a Braba” ?

Tem uma mina que é muito foda, chamada Shai Lerner. Ela é a DJ residente da cena ballroom daqui, toca uma voguezada boa demais. E tem um produtor/rapper chamado Cohen que tem beatzinhos delícia.

Quais são as suas referências músicas, djs, produtores, beatmakers etc?

Bia Marques, Glau Tavares, Ingrid Nepomuceno, Rennan da Penha, Iasmin Turbininha, Sango, kLap, JLZ, Marginal Men, os meninos do Duelinho… Tem ref que não falta kkkk

Você também produz?

Não. Fiz um curso em 2018 com o Jonas, produtor do BK, mas decidi que queria me aperfeiçoar e aprofundar em ser DJ primeiro, e acho que ainda tô nesse processo. Lancei uns mashups de funk que fiz na maluquice, é o mais próximo que cheguei de produção até agora.

Tem muitas lojas de discos por aí? Ou tu vê que o rolé da galera aí é outro? Possuem uma ligação diferente com música, sendo mais nichadas.. Música é para festividades, etc

Cara, não tem muita loja de discos não, tipo na rua, no shopping. Mas eu sei que tem uma cena da galera mais alternativa que tem lojas e feirinhas voltadas para vinil, por exemplo. Acho que o movimento daqui infelizmente é o mesmo do resto do mundo, menos lojas de disco, menos música física, mais tudo no online.

Aqui tem uma cena grande de eletrônica, principalmente trance, house e EDM, a galera se amarra no que chamam de “festa da natureza”, que é basicamente uma rave. Além disso, tem bastante hip hop, reggaeton e música mizrahi. Apesar de que a música mizrahi sofre um puta preconceito aqui, ela é maisss ou menos o que o funk ou o hip hop representam – música das “people of color” (em geral, os mizrahim são a galera judia dessa área do Oriente Médio, então Iêmen, Irã, Iraque, Síria) que é vista como inferior.

Qual sua relação com mídias físicas? Já teve oportunidade de tocar em CDJs ou com nosso estimado vinil? Acha que isso interfere na qualidade de dj?

Infelizmente ainda não me aventurei muito com CDJ ou vinil. Na real, eu acredito que tu pode ser uma selector e pesquisadora de música muito foda, ter uma visão e um ouvido incríveis, e tocar num equipamento simples, assim como tu pode ter o equipamento mais foda e tocar as coisas mais básicas e na tua zona de conforto. Mas quero continuar aprendendo e aumentando minha bagagem técnica, acho que aprender nunca é ruim. 

Quais equipamentos você usa?

Eu toco com uma DDJ-SB3 da Pioneer, Traktor e muita #fé.

Onde podemos achar você e ouvir o que tem feito por aí?

@hfarbie no instagram e farbie no SoundCloud!

Para finalizar, nos diga aí o que não pode faltar num dj set da Farbie?

Música cantada e/ou produzida por mulheres, especialmente mulheres pretas. Eu tento equilibrar muito o set com vozes femininas, porque acho que faz parte dessa coisa da narrativa, da história menos contada.

William de Abreu

William de Abreu

William “Tranzimbah” de Abreu tem 29 anos, é comunicólogo e DJ.⠀ Will é o cara que manja tudo de Black Music, um dicionário ambulante de quem sampleou quem nesse mundão sem fronteira. As misturas de música brasileira com rap e hip-hop são seus xodós.