1, 2, 3, 4!

1, 2, 3, 4! – Moraes Moreira

O Brasil fica mais triste hoje. Um chorare que acabou de começar. Foi embora nosso Moraes Moreira, o Moraes do frevo, da poesia, o Novo Baiano. O autor de “Preta, Pretinha” e tantos outros clássicos ao lado do poeta Galvão se foi na manhã de hoje, 13 de abril, aos 72 anos, vítima de um infarto agudo no miocárdio.

Nascido em Ituaçu, na Bahia, em 8 de julho de 1947, com o nome de Antonio Carlos Moreira Pires, Moraes começou a tocar sanfona aos 12 anos. Na adolescência pegou o violão e não largou nunca mais. Aos 19, quando estudava no Seminário de Música da Universidade Federal da Bahia, conheceu Paulinho Boca de Cantor e Luiz Galvão, além de Tom Zé que foi muito influente em sua formação musical. Em 1968, juntos a Baby Consuelo (hoje Baby do Brasil), o trio se tornou o quarteto Novos Baianos que, juntos do conjunto A Cor Do Som, criaram discos que revolucionaram a música brasileira, misturando ritmos regionais com o rock e o pop internacional.

Em 1975 Moraes saiu do grupo, iniciando uma carreira solo de muito sucesso, lançando ao todo mais de 60 discos. Criou hits como “Pombo Correio”, “Chão da Praça” e “Sintonia”. Além da carreira musical, também escreveu livros, com foco na poesia e na literatura do cordel. São de sua autoria A História dos Novos Baianos (2007) e Poeta Não Tem Idade (2017).

Nossa homenagem a esse grande mestre da música brasileira segue abaixo com 1, 2, 3, 4! fatos importantes sobre sua vida e obra. Muito obrigado, Moraes Moreira. Valeu encharcar o planeta de suor!!

Acabou Chorare

O que falta falar sobre Acabou Chorare, não é? Eleito o maior disco de música brasileira pela Revista Rolling Stone em 2007, o álbum lançado em 1972 mostrou o encontro dos Novos Baianos – que, até então, soavam como uma banda de acid rock com sotaque brasileiro – com João Gilberto, que elevou a influência da bossa nova e do samba no som da banda à última potência. A ideia da morte de Moraes se ilustra pra mim como a capa desse LP. Uma mesa de café da manhã vazia, pratos e copos sujos – melancolia. Os sorrisos, as palavras e a fartura já não estão mais ali. Foi-se tudo pra escanteio.

A primeira voz no trio elétrico

1976 – Moraes Moreira com o trio elétrico de Armandinho, Dodô e Osmar/ Foto: Arquivo Agência O Globo

Se hoje os trios elétricos balançam o chão das praças pelos carnavais, com cantores arrastando multidões, tudo começou com Moraes Moreira que, em 1976, colocou sua voz no carnaval de Salvador. Os trios desfilavam desde 1951, a partir da ideia de Dodô e Osmar que, na tentativa de eletrificar suas guitarras baianas, colocaram auto falantes em um Ford 1929 e saíram tocando pelo carnaval da Bahia. Em 1975, Moraes compôs uma letra para a música “Double Morse”, da dupla – que já havia se tornado trio com a presença do guitarrista Armandinho. Assim nasceu “Pombo Correio“, primeira canção cantada em um trio elétrico, no carnaval de 1976. Um dos maiores sucessos da carreira do cantor, foi registrada no disco Cara e Coração, de 1977.

O primeiro disco solo

Lançado em 1975, o primeiro LP de Moraes Moreira é meu favorito de sua carreira solo. Tornou-se um disco com uma certa raridade por só ter sido reeditado uma vez, em 2018. O preço mais barato de sua edição original a venda no Discogs hoje, no Brasil, é de R$750. É um álbum diferente do contexto geral de sua obra, muito mais semelhante ao trabalho com os Novos Baianos. Mais roqueiro, traz influências do frevo, do repente, da bossa-nova e até da jovem guarda (com a regravação de “Se Você Pensa“, de Roberto Carlos e Erasmo Carlos). Moraes assina sozinho a maioria das composições (na contracapa grafado como “Morais”), apesar de algumas parcerias com Galvão. Destaque para “O Chinelo do Meu Avô“, a mais “zeppeliana” do álbum.

Eu não marco toca

Moraes sempre foi um cara que esteve por dentro. Consciente e muito esclarecido, em 31 de março rebateu comentários de Baby do Brasil que havia criticado a peça sobre os Novos Baianos, por retratar o período em que o grupo fazia uso de drogas. “Vamos parar de mentir em nome de Deus“, disse o cantor sobre sua colega de banda tentar abafar o fato de que o grupo havia usado maconha e ácido na década de 1970. Em suas redes, o autor de “Tinindo, Trincando” também deixou um recado, em forma de cordel, para que seus fãs se cuidassem contra o corona vírus. Segue o texto da postagem na íntegra:

Oi pessoal estou aqui na Gávea entre minha casa e escritório que ficam próximos,cumprindo minha quarentena,tocando e escrevendo sem parar. Este Cordel nasceu na madrugada do dia 17, envio para apreciação de vocês .Boa sorte

Quarentena (Moraes Moreira)

Eu temo o coronavirus
E zelo por minha vida
Mas tenho medo de tiros
Também de bala perdida,
A nossa fé é vacina
O professor que me ensina
Será minha própria lida

Assombra-me a pandemia
Que agora domina o mundo
Mas tenho uma garantia
Não sou nenhum vagabundo,
Porque todo cidadão
Merece mas atenção
O sentimento é profundo

Eu não queria essa praga
Que não é mais do Egito
Não quero que ela traga
O mal que sempre eu evito,
Os males não são eternos
Pois os recursos modernos
Estão aí, acredito

De quem será esse lucro
Ou mesmo a teoria?
Detesto falar de estrupo
Eu gosto é de poesia,
Mas creio na consciência
E digo não a todo dia

Eu tenho medo do excesso
Que seja em qualquer sentido
Mas também do retrocesso
Que por aí escondido,
As vezes é o que notamos
Passar o que já passamos
Jamais será esquecido

Até aceito a polícia
Mas quando muda de letra
E se transforma em milícia
Odeio essa mutreta,
Pra combater o que alarma
Só tenho mesmo uma arma
Que é a minha caneta

Com tanta coisa inda cismo….
Estão na ordem do dia
Eu digo não ao machismo
Também a misoginia,
Tem outros que eu não aceito
É o tal do preconceito
E as sombras da hipocrisia

As coisas já forem postas
Mas prevalecem os relés
Queremos sim ter respostas
Sobre as nossas Marielles,
Em meio a um mundo efêmero
Não é só questão de gênero
Nem de homens ou mulheres

O que vale é o ser humano
E sua dignidade
Vivemos num mundo insano
Queremos mais liberdade,
Pra que tudo isso mude
Certeza, ninguém se ilude
Não tem tempo,nem.idade

Valeu, Moraes <3

Lucas Vieira

Lucas Vieira

Lucas Vieira é jornalista e editor do Disconversa. Além de colecionar discos gosta de videogames antigos e assistir os mesmos filmes mil vezes (em VHS).

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