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Texuga lança EP com canções de “Escárnio e Maldizer”

Em entrevista ao Disconversa, quarteto carioca fala sobre sua formação e o lançamento do novo EP que chega hoje às plataformas digitais

Créditos das fotos: Lucas Vieira

Inicialmente pensada como uma banda só de mulheres, a Texuga foi formada após a dissolução da Kinder Whores, grupo anterior das guitarristas e vocalistas Marcela Valverde e Thaís Catão, que começaram a tocar juntas ainda na escola, tendo entre suas referências L7, Hole, Joan Jett, Runaways e Bikini Kill. “A nossa primeira baterista, a Letícia Lopes (Trash No Star), queria formar um grupo e foi intimada por uma amiga a colocar o nome de Texuga, porque é um animal que bate até nos leões”, conta Marcela.

Ao trio, uniu-se a baixista Ana Clara Martins para completar a primeira formação da banda. Em seguida, com a saída de Letícia, Eduardo Raddi (O Grito) assumiu as baquetas, gravando o primeiro single do grupo, “Não Admito”, lançado próximo às eleições presidenciais de 2022. Nos shows, é a canção autoral mais cantada pelo público, que também é presenteado com versões de músicas de artistas como Beastie Boys, Rita Lee, Nirvana e Iggy Pop. Em 2022, Lucas Valuche entrou para completar a formação atual. 

Na dinâmica criativa do grupo, as guitarristas e vocalistas são as principais compositoras. “Meu processo criativo é muito orgânico. Sinto que a guitarra acompanha as intenções que tenho com as letras, é como se eu também estivesse escrevendo com as cordas, e criar em grupo também me ajuda muito”, comenta Thais. Já com Marcela, a inspiração surge de forma mais inusitada: “Eu tenho muitas ideias tomando banho, surgem muitas músicas na minha cabeça. O problema é que elas só duram naquele momento, então às vezes tenho que correr pra gravar e não perder. Depois, nos ensaios, tenho que traduzir para a banda como pensei a bateria ou um solo de guitarra. Sou uma grande compositora de chuveiro”.

Ana Clara buscou trazer suas inspirações de soul e funk e utilizar efeitos para elaborar as linhas de baixo da Texuga: “O punk no geral tem baixos muito retos, simples. Eu tento fazer linhas mais livres, preenchendo espaços, silêncios nas músicas”, comenta. Para Lucas, seu processo de criação dialoga com as ideias das compositoras: “Eu não penso muito. Às vezes trabalho com as direções que recebo das meninas e entro no modo Animal, o personagem baterista dos Muppets. Eu simplesmente pego as baquetas e toco”.

Thaís Catão (guitarra e voz), Marcela Valverde (guitarra e voz), Lucas Valuche (bateria), Ana Clara Martins (baixo)

Escárnio e Maldizer tem em sua capa, feita pela artista Mabel Martins, dois texugos tocando alaúdes e vestidos de trovadores, fazendo referência às cantigas do trovadorismo, que traziam sátiras e deboches, algumas mais leves e outras com tom mais ácido e direto. “Esse título, que dialoga com a capa, nós escolhemos há muito tempo, porque a gente só sabe fazer músicas que falem mal de alguém ou de nós mesmos, com muito sarcasmo. A gente critica pessoas conservadoras, reacionárias, com quem não dá para ter um diálogo sério, construtivo. Essas pessoas nem querem que a gente exista, como vamos conversar com elas com seriedade? Então o deboche se torna uma arma muito importante”, explica Thaís.

Após ensaiar exaustivamente, em abril de 2023 o quarteto gravou em duas sessões as quatro canções da obra, registrando o instrumental ao vivo no estúdio em um dia e as vozes separadamente no outro. Segundo a banda, as canções aparecem no EP, de forma não intencional, na mesma ordem em que foram gravadas. Gravado no Estúdio da Salvação (Niterói-RJ), com produção de Arthur Doglio e Théo Ladany e mixagem/masterização de Victor Damazio, Escárnio e Maldizer apresenta em quatro faixas um registro enérgico da Texuga.

O EP começa com “Autoestima”, canção que traz crítica às pessoas que estão em posição de privilégio e encontram conforto na mediocridade. O destaque fica para o solo do baixo distorcido de Ana Clara, que foi sugerido pela guitarrista Marcela: ”A música se tornou outra quando passamos a tocar com a Ana. Ela tinha muito silêncio e ficou mais robusta com o baixo”.

A segunda faixa, “Vaquejada”, traz o deboche do grupo retratando uma situação de perrengue vivenciada por Marcela e Thaís. Durante uma viagem rumo a um festival em uma área rural onde se apresentaria, a guitarrista se perdeu na estrada e uma sequência de problemas, que incluiu o cancelamento do evento com todo o equipamento de som queimado, serviu de inspiração para a música de ritmo contagiante. “Todo mundo tem um dia em que dá tudo errado. Eu entrei no modo rir para não chorar e serviu de inspiração para a música”, comenta. Sobre a faixa, o baterista acrescenta: “Ela tem um ritmo funkeado, uma agressividade que me atrai muito. É uma música muito animada, é a que mais gosto de tocar”.

Thaís assume os vocais em “Raiva”, hardcore cuja letra surgiu após suas reflexões sobre o texto “Os Usos da Raiva”: “A Audre Lorde é uma autora negra e fala no texto sobre a sensação de que a gente acha que não deve reagir, que tem que ficar triste e até se culpar de sentir raiva. Eu começo a música dizendo: ‘Minha resposta pro racismo é a raiva’. Eu sempre tive dificuldade de lidar com a raiva até entender como esse sentimento é uma reação, um instrumento de mobilização, de produção”, conta.

O EP encerra com “Não Tenha Medo do Inverno”, recado direto que critica de forma debochada a violência gratuita dos que querem se promover usando pautas identitárias, como o feminismo. “Essa música nasceu de uma resposta a uma ameaça que uma pessoa que utilizava o feminismo como promoção pessoal fez a mim e à Marcela, tirando falas nossas de contexto para dizer que iria nos processar. Embora tenha sido feita à partir dessa história, serve contra todo mundo que age dessa forma oportunista. É essa galera que tem que ter medo da gente, não somos nós que devemos temer”, conta Thaís.

Quem nunca viu um texugo em ação, pode se enganar acreditando que o animal é dócil, fofo e até domesticável quando, na verdade, é destemido, raivoso e violento. A mesma lógica serve para a Texuga que, além de entregar um excelente EP, agressivo e debochado, está em processo de composição de novas músicas e pretende anunciar shows em breve. Fiquem atentos!

Lucas Vieira

Lucas Vieira

Lucas Vieira é jornalista e editor do Disconversa. Além de colecionar discos gosta de videogames antigos e assistir os mesmos filmes mil vezes (em VHS).