Disco da Semana

Disco da Semana – O adeus a Cassiano, o príncipe do Soul Brasileiro

Gostaria de escrever sobre Cassiano havia tempo. A vontade era de entrevistá-lo e celebrá-lo em vida. Infelizmente, devido tanto a dificuldade de contato, quanto a saúde do compositor, que já vinha se degradando, isso se tornou inconcebível. O dia em que começo a produzir esse artigo é, infelizmente, o mesmo em que nos despedimos dessa enorme figura da música brasileira. O que resta é cultivar sua memória e exaltar sua importância.

Um dos pioneiros do soul no Brasil, Genival Cassiano – como era creditado nos primeiros trabalhos – nasceu em Campina Grande (Paraíba), e ainda no início década de 1960 foi para o Rio de Janeiro, onde fundou ao lado de seu irmão Camarão Os Diagonais, um grupo cheio de influências, que se denotam através das releituras gravadas no primeiro LP, lançado em 1969, indo desde Ary Barroso, Ataulfo Alves e Wilson Batista, até Caetano Veloso e Gilberto Gil. Nesse primeiro trabalho, o compositor contribuiu com as duas faixas autorais (“Não dá pra Entender“, e “Clarimunda“). 

Ainda em 1968, Cassiano participou da faixa “Sentimento” do compacto de Tim Maia. Apenas em 1970 o músico carimbaria suas digitais na concepção do soul brasileiro, participando ativamente no primeiro disco de Tim. No LP, Cassiano compôs quatro canções – duas ao lado de Silvio Rochael (“Eu Amo Você” e “Primavera“), uma ao lado de Tim (“Padre Cícero“), e outra creditada integralmente a ele (“Você Fingiu“). Além disso o músico também toca guitarra e canta ao longo do disco. Trata-se de um álbum antológico, que pavimentou as estruturas dessa sonoridade distinta integrando influências de artistas do funk e soul norte-americano, como Marvin Gaye, Isley Brothers, Curtis Mayfield, entre outros, ao suingue e os trejeitos da tão vasta música brasileira.

Em 1971, já com influências trazidas dos Estados Unidos por Tim, Cassiano lançou ao lado d’Os Diagonais o segundo e último LP do grupo, Cada Um Na Sua, onde compôs a maioria das faixas. No mesmo ano, sairia seu primeiro disco solo, Imagem e Som, no qual foi acompanhado pela “cozinha” do álbum supracitado de Tim Maia, com Carlos Batera, assumindo as baquetas, e Capacete no baixo. Nas composições, constam duas participações do síndico, em “Ela Mandou Esperar” e “Tenho Dito“. É um trabalho constituído por belíssimas baladas, sofisticadamente ornamentadas pelos arranjos ricos de cordas e metais de Waldir de Barros e , é claro, pela inconfundível voz de Cassiano. 

Dois anos depois, o soulman lançaria seu segundo álbum solo, Apresentamos Nosso Cassiano pela Odeon, produzido por Milton Miranda, e arranjado pelo pianista Carlos Alberto Gírio com o auxílio do maestro Lindolfo Gaya. Destaque para as fantásticas “Castiçal“, “Melissa” e “Calçada“.

Em 1975, Cassiano experimenta um breve estrelato, que se deu a partir do single “A Lua e Eu“, composta ao lado de Paulo Zdanowski. No lado B do compacto, estava “Nanar Contigo“, faixa também de autoria de ambos, que acabou não entrando no LP do ano seguinte. Em 1976, o músico lança aquele que é considerado seu melhor trabalho, Cuban Soul – 18 Kilates. Além do single de sucesso, nele também estava outro hit, “Coleção“. Nesse inspirado trabalho, porém, temos outras músicas memoráveis, como “Ana“, “Onda“, e a dobradinha de funks groovadíssimos “Central do Brasil” e “Saia Dessa Fossa“.

Dois anos depois, o LP que sucederia Cuban Soul foi abruptamente abortado pela gravadora (CBS) a partir do argumento de que a produção do álbum estava cara demais para um disco que provavelmente não daria retorno financeiro. Na mesma época, problemas de saúde começaram a afligir o músico, que se viu obrigado a interromper a carreira. Enquanto Cassiano dava adeus a seu breve sucesso para voltar a um injusto ostracismo, Tim Maia continuava em projeção nacional e lançava mais um carregamento de hits em Disco Club (1978). No LP, uma música composta por Cassiano: “Murmúrio“. Nos anos seguintes, o músico voltaria a fazer colaborações com o síndico. No álbum Nuvens (1982), compondo e tocando viola na faixa-título – e no sucessor “Descobridor dos Sete Mares” – compondo e tocando em “Rio Mon’ Amour“, além de tocar e fazer vocais de apoio em “Pecado Capital“.

No ano de 1984, lançaria o compacto “Amor Imenso“/”Tá Dando Mole, Zé“, sem uma grande vendagem. Só em 1991, seu último disco seria concebido Cedo ou Tarde, contando com participações de Luiz Melodia, Djavan, Marisa Monte, Ed Motta e Sandra Sá.

Após todo esse tempo fora de cena, “Uma Lagrima” – canção do seu primeiro disco solo – foi sampleada pelos Racionais MC’s, em “Sou + Você” (Nada Como um Dia Após o Outro Dia – 2002). Seu nome também é citado por Mano Brown em “Vida Loka, Parte 2“, e sua faixa “Onda” aparece no início de “Da Ponte Pra Cá” – música que encerra o disco do grupo.

Se Tim Maia é o maior representante do soul brasileiro, Cassiano vem logo depois na hierarquia. Com sua musicalidade e importância ímpares, trata-se de um verdadeiro príncipe.

Eduardo Raddi

Eduardo Raddi

Eduardo Raddi tem 24 anos, é acadêmico de Jornalismo, baterista d'O Grito, amante das artes, e um de seus maiores prazeres na vida é ouvir e pesquisar sobre música. De John Coltrane à Slayer, de Radiohead à Tom Zé, é a diversidade de sons que o fascina.

Deixe um comentário