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Clube da Esquina e sua influência até os dias atuais

Com a pandemia e a pausa forçada dos shows pelo Brasil, as lives, vídeos e eventos pela internet viraram as grandes atrações para os amantes de música. Uma dessas atrações fez fãs novos e antigos se encontrarem através do mesmo canal: o programa Versões, da Multishow, onde Boogarins performou de forma brilhante os clássicos do Clube da Esquina.

Em meio a minha empolgação em estar vivendo aquele momento, foi inevitável perceber como Boogarins e outros artistas brasileiros beberam tanto dessa rica nascente musical de Minas Gerais. E falaremos um pouco mais sobre isso.

Antes de discorrer sobre o assunto do texto, preciso confessar que antes do programa eu mesmo não conhecia o Clube como o Clube merece ser conhecido, então essa influência de um artista para outro também é importante para manter essa memória artística viva.

O programa Versões – Boogarins toca Clube da Esquina está disponível no Youtube:

Ao se deparar com toda a obra do Clube da Esquina, sempre lembramos de ícones como Milton Nascimento, Lô Borges e Beto Guedes. Porém, duas das músicas escolhidas pelos Boogarins para o programa foram “Serra do Mar” e “Ponta Negra”, de Danilo Caymmi, me causando curiosidades sobre quem eram todas as pessoas e histórias por trás do Clube da Esquina.

Inclusive, essas duas faixas estão em um belíssimo álbum, disponível apenas no Youtube e que merece um texto só sobre ele.

O Clube nasceu como muitas outras histórias musicais menos conhecidas: o encontro de amigos amantes de música. Logo que Milton chegou a BH, conheceu os irmãos Lô e Marcos Borges e a partir disso é só história.

Ficaram conhecidos como Clube da Esquina porque se reuniam em uma clássica esquina de BH, entre as ruas Divinópolis e Paraisópolis. Os amigos se encontravam nesse ponto pois não tinham dinheiro ou idade para frequentarem as festas da época.

Essas e muitas outras histórias podem ser encontradas em muitos documentários no Youtube como História do Clube da Esquina – A MPB de Minas Gerais, Clube da Esquina – Doc. Diogo de Oliveira e Milton Nascimento fala sobre o álbum “Clube da Esquina” no programa O Som do Vinil.

Um dos fatos mais incríveis e que mostra como o Clube influenciou artistas durante toda a sua história de sucesso foi a gravação de um dos maiores discos da música brasileira: Clube da Esquina.

Segundo declaração deles próprios, os músicos se reuniam no estúdio sem muitos ensaios e roteiros, sabiam mais ou menos qual era a música e o momento da gravação era também o momento de criar novas frases, solos e até improvisos.

Créditos: Mário Luiz Thompson

A parte técnica também chama a atenção, pois o disco foi gravado apenas em dois canais. Não há informações mais precisas sobre isso, mas é curioso pensar em como eles dividiram os inúmeros instrumentos e vozes com essa limitação – e é ainda mais assustador a qualidade atingida mesmo com apenas dois canais de gravação.

Sem contar o grande revezamento de instrumentos, o que só comprova a qualidade musical de todos envolvidos no Clube.

Como quase todo disco de sucesso, Clube da Esquina não foi tão bem recebido pela crítica, Milton e cia falam que “as pessoas não entendiam o que era aquilo”. Pois é, tempo depois teve o merecido reconhecimento e seis anos à frente, em 1978, saiu Clube da Esquina II com 23 (!) músicas em um álbum duplo.

Outro fato que mostra como o Clube queria mesmo era só fazer música sem criar uma marca ou algo do tipo é que o nome “Clube da Esquina” não é de uma banda. Porém, o nome aparece em músicas (tem a nº1 e a nº2) e nos dois álbuns lançados.

Para alguns críticos, historiadores musicais e fãs, o Clube da Esquina não é apenas os dois álbuns, que somados chegam a 44 músicas. Uma série de trabalhos que carregam a sonoridade do primeiro disco podem ser considerados parte do Clube da Esquina. Aqui alguns deles:

  • Milton Nascimento – Travessia (1967)
  • Milton Nascimento – Courage (1969)
  • Milton Nascimento – Milton Nascimento (1969)
  • Milton Nascimento – Milton (1970)
  • Som Imaginário – Som Imaginário (1970)
  • Milton Nascimento e Lô Borges – Clube da Esquina (1972)
  • Lô Borges – Lô Borges (O disco do tênis) (1972)
  • Som Imaginário – Matança de Porco (1973)
  • Milton Nascimento – Milagre dos Peixes (1973)
  • Beto Guedes, Danilo Caymmi, Novelli e Toninho Horta – Beto Guedes, Danilo Caymmi, Novelli, Toninho Horta (1973)
  • Milton Nascimento – Milagre dos Peixes (AO VIVO) (1974)
  • Milton Nascimento – Minas (1975)
  • Milton Nascimento – Geraes (1976)
  • Beto Guedes – A página do relâmpago elétrico (1977)
  • Toninho Horta – Terra dos Pássaros (1977)
  • Milton Nascimento – Clube Da Esquina II (1978)
  • Beto Guedes – Amor de Índio (1978)

O Woodstock mineiro

Não foi só nos estúdios que Milton e o Clube serviram de referência para novos artistas e de inspiração de como fazer o “corre”.

No dia 30 de julho de 1977, em plena ditadura militar brasileira, aconteceu um grande festival na Fazenda Paraíso, em Três Pontas (MG), cidade natal do Bituca.

Milton, que teve a ideia do “Woodstock mineiro”, usou sua influência para chamar importantes artistas brasileiros da época. Além do Clube, Chico Buarque, Fafá de Belém e Clementina de Jesus estrelaram no festival.

Como nem tudo são flores, Lô Borges, importante “membro” do Clube, não compareceu ao festival, ainda não se sabe se temendo a ditadura ou outros motivos.

Se nos dias atuais um evento dessa magnitude já seria o suficiente para uma cidade do interior de minas virar a capital da música por um dia, em uma época de repressão e censura o festival foi, além de tudo, um grito de esperança.

Infelizmente, há poucos vídeos e fotos desse fatídico dia, o que também torna ele ainda mais místico e único. Após 40 anos, aconteceu a “Feira Moderna”, show que homenageou o festival de 77.

Créditos: Mário Luiz Thompson

Altos e Baixos do Clube

É claro que a carreira do Clube e de Milton também reúne polêmicas e histórias que não são tão bonitas de contar. Porém, isso também faz parte da trajetória de um artista e é muito importante entender os contextos por trás de cada fato.

Uma notícia que percorreu jornais e a internet nos últimos anos foi a polêmica sobre a capa do disco Clube da Esquina e o não pagamento aos dois garotos da foto. A fotografia faz referência a Milton e Lô e muitas pessoas descobriram que não eram eles após a publicação dessa notícia.

Aqui há mais detalhes

Tonho e Cacau, a dupla que estampou a capa, chegaram a processar Milton Nascimento, Lô Borges e a EMI pelo ocorrido.

Créditos: Túlio Santos

Outra polêmica recente envolvendo Milton foi o show em Israel, por se tratar de uma propaganda sionista do Estado, que desde o fim da 2ª Guerra Mundial vem invadindo o território palestino. Até Roger Waters, ex-Pink Floyd, se envolveu no assunto.

Milton, na época, fez uma declaração.

A história sendo escrita até os dias atuais

É possível enxergar como toda a trajetória do Clube da Esquina, até nos mais insignificantes detalhes, continuam influenciando artistas atuais. Não é só nos riffs de Boogarins ou de outras bandas que a alma do Clube está presente, essa influência vai muito além da música.

Podemos dizer que a trilha sonora de Minas Gerais e muito do que o Estado representa foi retratado nas canções de Milton e do Clube. A identificação com o lugar de nascimento é algo inseparável da carreira dos artistas e do próprio lugar também.

A forma como esses amigos se reuniam para fazer música, como se viravam para gravar e espalhar suas canções e como usavam a música e a arte como forma de resistência em uma época tenebrosa no país. Tudo isso só mostra como não há um caminho muito definido para o sucesso, e o que é o sucesso?

Créditos: Divulgação Canal Brasil

O primeiro disco, como falamos acima, não foi tão bem recebido como é, merecidamente, reconhecido atualmente. Talvez porque era algo diferente ou a limitação na gravação, não se sabe, mas será que isso importava mesmo para eles? Ou só queriam fazer música?

O Clube da Esquina contava com músicos que já estavam na estrada, o próprio Milton era o chamariz dessa turma. Porém o que é feito no primeiro álbum nunca havia sido feito por nenhum deles separadamente, o que evidencia como a união de ideias e talentos pode ser algo fantástico.

Artistas independentes precisam estar sempre se reinventando e trabalhando muito para alcançarem seu público. Consigo encontrar na história do Clube da Esquina, mesmo em diferentes contextos, uma chama de esperança para todos os artistas que acreditam na sua música, mas ainda não se tornaram “sucesso” e para todos que pensam a música com alma, mesmo que ela seja diferente do que sai nas playlists editoriais dos streamings.

Para conhecer mais:

Versões – Boogarins toca Clube da Esquina: https://youtu.be/Lo6bwSrxJxI

Doc Canal Brasil: https://globoplay.globo.com/milton-e-o-clube-da-esquina/t/ZyWmBMgHkg/

Festival Paraíso (matéria): https://www.hojeemdia.com.br/plural/woodstock-mineiro-festival-homenageia-os-40-anos-do-histórico-show-do-paraíso-1.550955

Artigo “Pensar na diversidade das canções dos participantes do Clube da Esquina”: https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/BUBD-9ZHGHW/1/artigo.pdf

Jônatas Marques

Jônatas Marques

Jow (@heyyjow) é quase músico, quase jornalista e quase analista de sistema. Ele tenta unir essas 3 meias profissões fazendo um som na Espacialrias (@espacialrias) e no Projeto Casulo (@casu.l0), prestando assessoria para artistas independentes e paga as contas trabalhando com TI e jornalismo. Jow vê na música e na arte uma forma de respiro no meio do sistema destrutivo que vivemos, por isso dedica seu tempo em falar sobre seus artistas favoritos aqui no Disconversa.

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