Você Precisa Conhecer

Você Precisa Conhecer: Coletivo Abacateiro

Apesar de extremamente importante e ainda pouco exaltada, nem só de passado vive a música brasileira. Aliás, esse passado rico musicalmente dá vida a artistas que, hoje em dia, precisam se adaptar a um tempo de redes sociais, 0,003 centavos por play e uma hiperexposição na internet. Tempos que também trazem tecnologias para gravações mais acessíveis, novos estilos musicais e uma pluralidade e autenticidade que poucos países têm como o Brasil.

O objetivo nessa coluna é apresentar artistas brasileiros com algo de diferente e que mostram como o corre da música pode ser difícil, mas vale a pena.

Hoje o assunto por aqui é o Coletivo Abacateiro, formado por artistas independentes da Zona da Mata Mineira.

Resumo

O Coletivo Abacateiro foi criado em 2020 por Brunão, Mariana Oliveira, Mayara Moreira e Vito Lofi com o objetivo de produzir artistas independentes da Zona da Mata Mineira (região de Juiz de Fora e imediações). O resultado desse trabalho está no álbum Crisálida, lançado em 2021 e que conta com 16 faixas que falam sobre isolamento social.

Além da temática, o disco percorre diferentes estilos presentes em periferias brasileiras, como rap, funk e hip hop, ao mesmo tempo que traz um toque de MPB, pop e música eletrônica. Tudo isso horna muito bem em conjunto e apresenta de forma brilhante os artistas e o coletivo para o público brasileiro.

Dá um confere no álbum Crisálida:

O trabalho de estreia

Há aqueles que gostam e há aqueles que não conseguem ouvir uma coletânea ou compilação com vários artistas diferentes. Crisálida é um álbum nesse estilo, mas que se encaixaria perfeitamente em um trabalho de um artista só – nesse caso, um artista muito rico musicalmente.

Alguns nomes, como BrunãoDUBASS, Vitor Lofi e Thiago Croce, participam de mais de uma das 16 faixas presentes no disco. Ainda assim, a pluralidade sonora consegue se encaixar com uma originalidade que o Coletivo e seus artistas transmitiram com sucesso.

O disco abre com uma Intro e uma transição para a segunda faixa que, dentro das minhas impressões, já demonstra o que será o álbum: uma mistura de sentimentos que um período de isolamento social pode causar.

“CRISÁLIDA é um sinônimo de casulo. Então, tentamos mostrar que no momento de isolamento social, em que os artistas estão longe dos palcos, eles utilizam esse tempo para evolução pessoal e artísticas.” explica BrunãoDUBASS, um dos fundadores do Coletivo.

A primeira faixa traz declarações de jornalistas e do boçal do presidente do Brasil, áudios esses acompanhados de um melodia triste e que passa um certo medo, sentimento presente nesse período de pandemia.

Porém, a segunda faixa, “Magrelinha”, de Pedro Tasca, é uma leve bossa nova com um samba, te levando para uma tarde de domingo com uma bicicleta no Ibirapuera. Pelo menos na minha experiência, foi com essa dualidade de sentimentos que passei os últimos meses “preso” em casa.

A temática de pandemia e isolamento social, inclusive, se tornou repetitiva em um certo momento nos últimos dois anos. Muitos artistas mergulharam em suas emoções e nesse período produziram trabalhos que falam sobre o assunto, mas nenhum conseguiu traduzir tão bem quanto o álbum Crisálida.

Isso se deve, também, à sonoridade que esse trabalho percorre: rap, funk, hip hop, MPB, música eletrônica e até pitadas de rock ‘n roll. É interessante pensar em como esse conceito foi construído, porém Vito Lofi, que também é um dos idealizadores do Abacateiro, nos contou que esse processo foi mais espontâneo do que planejado.

“Sobre os estilos e os artistas: foi um processo bem natural. A gente deixou as pessoas trazerem as composições de casa e iamos implementando nossas ideias de arranjo e referencias musicais a medida que cabia. A ideia era ter essa influencia das batidas sintetizadas do hip hop, mas também brasileiro, e faixas como ‘Feira dos Sonhos’ e ‘Samba da Caieira’ traduzem muito bem o que a gente tava imaginando logo no começo da fase de produção. E, por exemplo, ‘Quebra Demanda’, que tem uma pegada rock ‘n roll, acabou tendo também um balanço de hip hop interessante.” declarou Vito.

É muito interessante notar como cada estilo, letra e melodia explorada em Crisálida carrega muito sobre um Brasil mais periférico do que classe média alta. Eu, como morador de um bairro afastado do centro, me sentia ouvindo canções que provavelmente meus vizinhos colocariam em um domingo de manhã.

Esse é mais um fator que coloca o álbum Crisálida como uma criação que retrata muito bem o seu local, seu contexto e o que pode ser explorado musicalmente em meio a tantos estilos.

O que é o Coletivo Abacateiro?

Criado em 2020, o Abacateiro surgiu a partir dos irmãos Brunão e Mari; depois Mayara e Vito se agregaram como organizadores para a gravação do primeiro álbum.

O quarteto possui vivências semelhantes no meio da arte: Mari e Mayara desenvolveram projetos de pesquisas e ocuparam Diretórios sobre cultura e arte na UFJF; Vito também cursou Artes e Design na Federal de Juiz de Fora e, assim como BrunãoDUBASS, possui um vasto currículo como músico e produtor musical.

A principal proposta do Coletivo é fomentar a cena de Juiz de Fora, que já é conhecida no meio independente, mas ainda não receber o devido valor.

A ideia de poder proporcionar um incentivo pra alguns artistas da cidade continuarem desenvolvendo seus trabalhos, mesmo nesse momento tão incerto e devastador pelo qual estamos passando, foi a que mais guiou o nosso trabalho desde o início. A gente entende como a valorização do trabalho artístico é importante pra ele continuar existindo, por isso trabalhamos o tempo inteiro pensando em como prestar esse incentivo da forma mais completa que poderíamos e com o orçamento que tínhamos, para absolutamente todos os artistas participantes, dos músicos aos freelancers.” declarou Mayara Moreira.

“Dizem por aí e eu ando repetindo: Juiz de Fora é a Meca dos artistas! A cidade tem um movimento cultural muito forte, mas também muito disputado. O Crisálida é a nossa forma de unir as forças e mostrar esses pequenos artistas de forma séria, com o devido incentivo, ainda mais nesse momento de crise.” completa Vito Lofi.

Ao ouvir o trabalho de estreia, Crisálida, a impressão é que a escolha dos artistas foi feita de forma muito específica, mas Mari simplifica como é feita essa seleção para entrar no Abacateiro: “basta ser apaixonado pelo que faz”.

Ela fala um pouco mais sobre essas escolhas:

“Inicialmente, quando nós ainda possuíamos um tempo muito curto devido às exigências do edital, nós contatamos pessoas que estavam mais próximas a nós. Amigos, amigos de amigos… Com a extensão do prazo nós tivemos a oportunidade de ampliar as participações e dessa forma conhecemos jóias preciosas da cena independente de Juiz de Fora, como a Mari Blue e a Brynner. O objetivo principal sempre foi mostrar pro mundo o que a gente sabe fazer, que é muito diferente de balbúrdia, então a proposta era lançar artistas que, por falta de incentivo, nunca haviam lançado nada em seu nome e foi isso que a gente fez. A gente sabe que o setor de arte e cultura foi o mais prejudicado durante a pandemia e por esse motivo alguns desses artistas pensavam em desistir, alguns pediram pra participar do projeto, outros foram indicados por pessoas de confiança… por isso eu acho que pra fazer parte do Abacateiro é necessário só ter amor pela produção artística e força de vontade pra bater de frente com a realidade que não contempla o artista independente.”

Além do álbum, que foi contemplado pela Lei Aldir Blanc (?), o Coletivo Abacateiro está desenvolvendo um curta-metragem sobre o processo de criação do Crisálida.

Confira o setlist do álbum e todos os artistas que participaram da obra – cada um tem um link para você seguir e apoiar esse artista:

  1. Intro (BrunãoDUBASS, Vito Lofi)
  2. Magrelinha (Pedro Tasca)
  3. Feira dos Sonhos (Hector, Tiago Croce)
  4. Samba da Caieira (BrunãoDUBASS)
  5. Balanço (Hey Ruy)
  6. Tanto Faz (Mari Blue)
  7. Go Away (Fred Calabrez, SALVJORG3)
  8. Interlúdico (BrunãoDUBASS, Vito Lofi)
  9. Role de Quarentena (Diogo Santhiago)
  10. Sdds Carnaval (Brunão DUBASS, Vito lofi)
  11. Crisálida (Arthur Barreto)
  12. Quebra Demanda (Marco Maia)
  13. Meu Tempo (Brynner)
  14. Antes do Fim (Chagas, Guida)
  15. Antes Podia (BrunãoDUBASS, Vito Lofi)
  16. Pode Sorrir (Tiago Croce, Vito Lofi)

Também é possível consultar o Faixa a Faixa do disco Crisálida aqui.

Jônatas Marques

Jônatas Marques

Jow (@heyyjow) é quase músico, quase jornalista e quase analista de sistema. Ele tenta unir essas 3 meias profissões fazendo um som na Espacialrias (@espacialrias) e no Projeto Casulo (@casu.l0), prestando assessoria para artistas independentes e paga as contas trabalhando com TI e jornalismo. Jow vê na música e na arte uma forma de respiro no meio do sistema destrutivo que vivemos, por isso dedica seu tempo em falar sobre seus artistas favoritos aqui no Disconversa.

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