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Disco da Semana: A poesia cósmica de Angelo Gonzalez

Um papo com Angelo Gonzalez e um pouco mais sobre o álbum O Louco

Compositor espontâneo, Angelo foi criado em Natal, Rio Grande do Norte, em uma casa permeada quase constantemente pelas ondas sonoras do rádio. Ainda pequeno, via pela primeira vez a imagem de um músico mimetizada em seu padrasto, que tocava violão nas reuniões familiares na varanda de casa. Do violão, Angelo se tornaria íntimo, e anos depois, se descobriria compositor. Os textos e acordes passaram a ganhar vida e forma em “Te Tomo no Café“, seu primeiro single, lançado em 2019. 

No fim de semana passado, bati um papo agradabilíssimo com o prolífico cantor potiguar sobre um de seus três álbuns que estrearam em 2020. 

Trata-se de O Louco, um disco curto (23 minutos) e despretensioso no quesito produção. O que chama atenção aqui é a voz única de Angelo e seu violão simples, que amalgamados à uma lírica fora de série, evocam um pouco do que de melhor temos na música brasileira. Em todas as faixas, é possível imaginar arranjos grandiosos ornamentando as herméticas trovas do compositor.

O disco tem sete faixas, das quais destaco três como alguns dos pontos altos. Em “Bossa”, Angelo pinta a história da bossa-nova com uma letra evocativa, ousada e cheia de referências, que vai gradativamente desenhando páginas em nossos imaginários. “Hey Man” nos traz a nostalgia do carnaval que a pandemia nos roubou. Gostaríamos mesmo é de botar nosso bloco na rua e descer pra ver filhos de Gandhi, como a letra menciona. A “Armadilha do Malandro” é a melhor música que já ouvi até hoje sobre a pandemia. Mesmo que não tenha tido a intenção, o potiguar tocou no coração do carioca como poucos. A malandragem, no que se refere à boemia, nos foi exilada por motivo de força maior. 

No LP O Louco, Angelo canta à saudade de viver, ao amor e à solidão que tanto nos arrebata nesse período difícil. Nessa entrevista, o compositor fala um pouco mais a fundo sobre algumas das faixas, a concepção do disco e suas influências.

Disconversa: Como é o seu processo de composição?

Angelo Gonzalez: É bem peculiar, sabe? É como se existisse um “outro eu”, e esse “outro eu” aparece quando quer. Na maioria das vezes é quando estou sozinho no meu quarto de madrugada e simplesmente pego o violão e fico fazendo alguns acordes, e vou pensando sobre alguma coisa que me aconteceu. Eu deixo minha cabeça “ir”, e de repente vem vindo frases, e se elas soam bonitas pra mim, aí sim vou escrevendo. Mas na maioria das vezes isso é meio problemático, sabe? Porque eu não controlo isso. Quando eu sento e falo “hoje eu vou compor” não sai, sabe? Eu sempre sou pego de surpresa por esse “outro eu”.

D: “Bossa” (segunda faixa do álbum) me parece uma ode às suas inspirações. Você fala do “Trem das Cores” do Caetano e do “Expresso 2222” do Gilberto Gil. Em “Hey Man” você também faz alusão a Sergio Sampaio e Jorge Ben. Dá para sentir que suas referências sessentistas e setentistas são latentes. E da música contemporânea, quais são os artistas que te enchem os olhos?

A: Bom, tem a Céu, a Liniker, a Maju, O Grito, o Quarto Astral, tem muitas bandas e muitos artistas.

D: O álbum O Louco tem uma forte influência do período atribulado no qual estamos vivendo. Pessoas passando a maior parte do tempo em casa e os impactos que a quarentena tem na saúde mental. Ao mesmo tempo você mescla isso com astrologia, esoterismo e a subjetividade do conceito de loucura. Como você enxerga a loucura, e como o conceito do Louco na astrologia influenciou as suas composições?

A: Então, a loucura eu vejo como algo completamente subjetivo, sabe? Porque, o que é ser normal? O que é ser normal para mim é diferente do que é ser normal para outra pessoa, então sempre vai existir alguém diferente que vai ser chamado de louco. Mas o “ser louco” seria no caso, por exemplo, numa visão de sociedade, alguém diferente dos padrões. Porque o que deixa todo mundo igual são esses padrões, o que é imposto para todos e que todos seguem como uma cartilha. Quem vive de maneira diferente é tido como louco. Só que esse louco está sendo quem ele é de fato, ele está vivendo a sua essência. É exatamente isso que eu trago para o lado esotérico da coisa. A carta do Tarot significa exatamente isso, o momento de nosso nascimento, quando viemos ao mundo. Nós somos moldados de acordo com todas as nossas experiências e todo o ambiente ao nosso redor, então a partir dessa liberdade de pensamento, a carta do louco simboliza exatamente o princípio pelo qual o seu espírito está sendo moldado e experienciando as coisas ao seu redor.

D:“Piracuru” (sexta faixa) é sua homenagem ao Rio Grande do Norte? Como você acha que a contemporaneidade está afetando as tradições regionais do nosso país?

A: Essa música na verdade é uma brincadeira linguística, o título é um anagrama para Curupira. Eu coloquei “Piracuru” exatamente para parecer com o peixe, porque a música fala sobre esse sentido místico da floresta, de existir um espírito que tem vários nomes. Eu falo “Piracuru”, “Anhangá”, mas o espírito tem vários nomes e várias faces, é o espírito da mata. Agora, respondendo a segunda pergunta, eu acho que esse lance de se misturar os ritmos e de se fazer algo novo vem desde a época da tropicália. Acho que isso hoje é bem latente. Aqui no Nordeste por exemplo, temos o brega-funk, que é uma mistura de ritmos. Essas misturas assim são como pinturas para mim. É como se fosse uma forma de pintar com um ritmo, e outra forma com outro, e em um quadro só você pudesse fazer uma aura.

D: Sobre “A Era de Aquário” (quinta faixa), alguns dizem que já começou, outros que ainda não, ou que ainda estamos em estado de transição. Como você vê essa concepção? O que ela representa além do viés astrológico, tendo em vista esse contexto atual de mudanças que você aborda no álbum? 

A: Cada Era influencia a humanidade de diferentes formas. A promessa da Era de Aquário é que a humanidade repense a maneira como a gente vive em sociedade, como coletivo, e como vamos nos identificar como indivíduos. A energia de Aquário representa o coletivo. Essa questão da gente se colocar no lugar do outro e entender o outro como parte de um todo. Então, na situação pandêmica que a gente está, é basicamente isso, sabe? A gente pensar no coletivo e cada um se ajudar, porque, se você parar pra pensar, se o mundo inteiro se ajudasse, a gente já teria saído dessa situação. Com a nossa política atual por exemplo, não teve nenhum consenso, nenhum pensamento de coletivo, foi cada um por si e o presidente cagando. A gente tem o exemplo da Nova Zelândia, que foi exatamente onde eles tiveram esse pensamento, e hoje já estão tendo shows com estádios lotados, todo mundo bem. É isso, é esse pensamento de coletivo que essa canção representa. É isso que a Era de Aquário tem para nos oferecer, para que nos entendamos e possamos evoluir como pessoas.

D: Angelo, a armadilha do malandro é a solidão?

A: Sim, pois se o malandro está sozinho ele não pode exercer a sua malandragem (risos).

D: Você é um compositor muito prolífico. Foram 3 álbuns só em 2020, sem contar os singles. O que podemos esperar de Angelo Gonzalez em um futuro próximo? E longínquo? Quais são seus planos?

A: Então, eu pretendo regravar todos esses três discos. Eu chamo eles de EPs, por terem uma produção bem despretensiosa, quase como se fossem demos. A ideia é que eu regrave essas músicas com mais qualidade e quem sabe, com canções novas.

D: Pra finalizar, quais são seus loucos favoritos?

A: Tom Zé, Raul Seixas, Peter Gabriel, Hermeto Pascoal…nossa, tem muitos… muitos!!

Eduardo Raddi

Eduardo Raddi

Eduardo Raddi tem 24 anos, é acadêmico de Jornalismo, baterista d'O Grito, amante das artes, e um de seus maiores prazeres na vida é ouvir e pesquisar sobre música. De John Coltrane à Slayer, de Radiohead à Tom Zé, é a diversidade de sons que o fascina.

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