Disco da Semana

Disco da Semana – Uma viagem pela discografia de Ginger Baker

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Um dos maiores bateristas de todos os tempos, referência tanto para Neil Peart quanto Stewart Copeland, o excêntrico e explosivo Ginger Baker teve uma carreira, no mínimo abundante. Selecionei alguns de seus principais trabalhos. Viajemos então, com Mr. Baker!

Terry Lightfoot and his Band – Tradition in Color (1958) – No ano anterior, Ginger já havia integrado alguns compactos na banda de apoio de Bob Wallis, mas foi em 1958 que o baterista participou de um LP pela primeira vez, tocando no grupo do clarinetista Terry Lightfoot. É um agradável álbum de Dixieland jazz, ou jazz tradicional, que mostra outra faceta de Ginger, muito diferente da que conhecemos com seus trabalhos mais famosos no Cream ou no Blind Faith.

Graham Bond Organisation – There’s a Bond Between Us (1965) – Quando Charlie Watts deixou o Alexis Korner’s Blues Incorporated para tocar nos Rolling Stones, em 1962, Ginger o substituiu. No grupo de Alexis, o baterista teve seu primeiro contato com Jack Bruce – baixista que o acompanharia em suas duas próximas bandas. Em uma apresentação, Bruce – nas próprias palavras de Baker – os “encheu o saco para tocar. Não ia embora nem fodendo, então deixamos”. Jack era tão brilhante, que depois da ocasião foi chamado para integrar o conjunto.

Depois de um breve tempo tocando com Alexis, Ginger e Bruce foram recrutados por Graham Bond para o “Graham Bond Organisation” ao lado do guitarrista Dick-Hestall Smith. Em 1965, o grupo lançou dois álbuns: “There’s a Bond Between Us” e “The Sound of 65”. Ambos, trabalhos que misturavam o estilo e estética do movimento Mod – que começava a ganhar popularidade na Inglaterra – ao jazz, que era a principal formação musical dos instrumentistas do grupo. Nessa altura, a sessão rítmica já era uma das mais cultuadas e cobiçadas da cena.

Contudo, o Graham Bond Organisation era uma banda que claramente tinha tempo de expiração curto. Apesar do incrível entrosamento musical de Baker e Jack, eles não se aguentavam. O temperamento de Ginger era péssimo e o líder da banda, Graham, estava muito viciado em heroína para manter qualquer tipo de rédea no grupo. Em uma apresentação, Baker se descontrolou porque Bruce teria tocado durante o seu solo de bateria. Ele desferiu vários socos no rosto do baixista e o ameaçou com um estilete.

Ginger me parecia um homem absolutamente louco…” Jack Bruce

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Cream (1966 – 1968) – Depois de um período até que bem-sucedido com o Bond Organisation, o baterista decidiu que seria o momento de formar sua própria banda. Ginger logo pensou em Eric Clapton e o convidou para a nova empreitada. O guitarrista, que estava de saída do John Mayall and the Bluesbreakers, também nutria a vontade de formar seu próprio grupo. Para a surpresa de Baker, Clapton sugeriu Jack Bruce como baixista – o havia conhecido tocando ao lado de Mayall – sugestão que o baterista, mesmo que contrariado, acabou acatando. Nascia então o Cream.

Trata-se de uma das bandas mais importantes e influentes de todos os tempos. A banda que definiu o conceito do “power trio” no rock, com três músicos únicos e virtuosos, munidos de muitas referências fora do gênero, as quais assimilaram concebendo sua própria linguagem musical. Eric Clapton era, desde pequeno, fascinado pelo blues de Muddy Waters, B.B. King e companhia. Jack Bruce e Ginger Baker, pela liberdade do jazz de Ornette Coleman, Charles Mingus, e Art Blakey.

Fresh Cream, Disraeli Gears e Wheels of Fire

Em sua breve existência de pouco mais de dois anos, o grupo lançou três LPs de estúdio e uma série de trabalhos ao vivo. O disco, que marca a estreia da banda, “Fresh Cream”, foi lançado em 1966 – momento em que o blues inglês e o pop barroco começavam a atingir sua ebulição – e mescla, de maneira única e explosiva, a sonoridade do blues, pop e rock, com um tempero de jazz que Ginger Baker não abre mão (e nos mostra em seu eletrizante solo na última faixa do álbum, “Toad”).

O segundo disco do Cream, considerado por muitos o principal trabalho da banda, foi lançado em 1967 – um dos anos mais frutíferos da história da música moderna. “Disraeli Gears” se destaca como um álbum seminal e singular onde o power trio experimenta novas sonoridades e concebe algo diferente de tudo.

Além do pioneirismo e do fato de que o Cream popularizou o conceito de power trio, a banda também o fez com a ideia de “jam band”, pois quando subiam no palco, através de improvisos transformavam e alongavam suas músicas, tornando-as especiais em cada apresentação. O terceiro lançamento, Wheels of Fire (1968), é um álbum duplo, constituído por, no primeiro LP, músicas inéditas e releituras, em estúdio, e no segundo, registros ao vivo no Winterland Ballroom em São Francisco, contando com versões de “Spoonful” e “Toad”, cada uma dez minutos mais longa do que em estúdio.

Apesar de seu sucesso meteórico, numa época em que esgotavam enormes casas de shows, como o Madison Square Garden, a banda acabou no final de 1968, por motivos óbvios. Ginger e Bruce não se aguentavam e tampouco Clapton conseguia aturar aquele clima constantemente hostil. Como despedida, um último álbum (Goodbye), parte ao vivo, parte estúdio, lançado em 1969, posteriormente ao término do grupo.

Em 1970 e 1971 ainda foram lançadas duas coletâneas ao vivo, “Live Cream”, em dois volumes.

Não havia arquétipo para Ginger Baker…ele era o Arquétipo.

Neil Peart

Billy Preston – That’s the Way God Planned it (1969) – Essa é uma pouco conhecida participação no LP de Billy Preston. O álbum foi gravado em duas sessões, com duas bandas e contextos totalmente diferentes: A primeira sessão foi no final de 1968, produzida por Wayne Schuler, pela gravadora Capitol, com músicos de estúdio não creditados. (faixas 2, 7 e 11)

A segunda foi gravada em 1969, apenas 4 meses depois da participação de Preston no “Let it Be”, sendo produzida na Apple por ninguém menos que George Harrison. O time de craques era constituído por Eric Clapton na guitarra, Keith Richards no baixo e, é claro, Ginger Baker nas baquetas (e percussão). (faixas 1, 3, 4, 5, 6, 8, 9, 10)

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Blind Faith – Blind Faith (1969) – Um dos trabalhos mais conceituados da carreira do baterista, o Blind Faith era um verdadeiro supergrupo, juntando Clapton e Baker, vindos do Cream, ao frontman do Traffic, Steve Winwood e o baixista do Family, Ric Grech. Clapton não gostou muito da ideia de ter o baterista novamente em sua banda, afinal, seu temperamento já lhe era familiar. Deu o nome do grupo de “Blind Faith” (Fé Cega), de maneira irônica, representando as suas esperanças em relação a possibilidade de o projeto dar certo.

O quarteto só gravou um disco, autointitulado. Fantástico, por sinal. Muito diferente dos trabalhos do Cream e do Traffic, o álbum agrega o grande talento de Winwood como compositor à versatilidade de Baker, Clapton e Grech como músicos.

Após a turnê com o Blind Faith, Baker passou meses no Havaí e na Jamaica, numa tentativa fracassada de deixar as drogas. Quando voltou, o grupo havia se dissolvido – Clapton saíra em turnê com a dupla Delaney and Bonnie, e Steve tinha se reunido com o Traffic.

“Ginger era bem desdenhoso e antissocial…seriamente antissocial. Mas ele tinha o dom”.

Eric Clapton

Ginger Baker’s Air Force – Ginger Baker‘s Air Force I e II (1970) – Após a desilusão com o Blind Faith, Baker resolveu se aventurar em um projeto mais pretensioso e criou sua própria Big Band. Era uma espécie de coletivo, com variações em sua formação, que só gravou dois discos e durou pouco mais de um ano. Dentre os numerosos músicos, participações de Graham Bond, Steve Winwood, Denny Laine (Moody Blues, Wings) e Chris Wood (Traffic). Na sonoridade, uma fusão do rock, jazz e ritmos africanos, em meio a saxofones, flauta, percussões, baterias, órgão, guitarras, baixo e vocais de apoio. Uma verdadeira (e deliciosa) orgia musical.  

Fela Kuti and the Africa 70’ with Ginger Baker – Live! (1971) – Em 1971, o ex baterista do Cream e do Blind Faith comprou um range rover e partiu atravessando o deserto do Saara rumo a Lagos (Nigéria) em busca novas sonoridades. Lá, Ginger montaria o primeiro estúdio de 16 canais do país (Arc Studio) e ficaria amigo próximo de Fela Kuti. Era a união de dois dos mais folclóricos e temperamentais músicos de todos os tempos, além de uma explosão de talentos únicos e distintos que, misturados, se encaixavam extraordinariamente. Com Fela, Ginger gravou dois discos: “Why Black Man Dey Suffer” (1974) e “Live!”, sem contar a participação de Kuti no álbum solo de Baker, “Stratavarius”.

O line-up da banda de Kuti ainda contava com o lendário baterista Tony Allen, pioneiro do Afrobeat. No LP ao vivo, Baker e Allen, juntos, dão uma aula sincopada de ritmos.

Nesse mesmo período, Paul McCartney foi para Lagos gravar Band On The Run, e após ser convidado por Baker, chegou a produzir uma faixa no estúdio Arc (Picasso’s Last Words). Além disso, o baterista faz uma participação especial na música, tocando percussão.

Algum tempo depois, o estúdio de Ginger foi perdendo espaço para a gravadora EMI, que foi gradativamente monopolizando o mercado musical nigeriano. A situação política no país também era catastrófica e, 2 anos depois de aberto, o Arc foi invadido por soldados armados e o baterista se viu obrigado a rapidamente deixar o país – sim, ele o fez em seu Range Rover.

A viagem foi documentada no filme “Ginger Baker in Africa” do diretor Tony Palmer.

Ginger Baker – Stratavarious (1972) – “Stratavarious” é um LP que todo baterista e amante do ritmo deveria ouvir. Foi gravado ainda em Lagos e traz à tona tudo que Ginger absorveu de melhor em sua experiência com a poderosa, quase esotérica sonoridade nigeriana, mesclando-a ao jazz e ao rock com maestria. É um disco essencial tanto para fãs de Baker quanto de Fela, por ser muito diferente de qualquer trabalho do nigeriano em sua enorme discografia.

The Baker Gurvitz Army – Elysian Encounter (1975) – Mais um trabalho bem “obscuro” da discografia de Ginger, o Baker Gurvitz Army foi o grupo que o baterista formou ao lado dos irmãos Paul e Andrian Gurvitz – membros fundadores da folclórica banda sessentista “Gun”.

Ao lado dos Gurvitz, Baker lançou três álbuns de estúdio, sendo, além deste, o autointitulado (1974) e “Hearts on Fire” (1976). Os dois primeiros LPs tem uma sonoridade bem interessante, trazendo um hard rock tradicional temperado com rock progressivo.

As palavras de Clapton, Jack Bruce e Neil Peart citadas aqui, foram tiradas do documentário “Beware of Mr.Baker”, do diretor Jay Bulger. Fica a dica!

Eduardo Raddi

Eduardo Raddi

Eduardo Raddi tem 24 anos, é acadêmico de Jornalismo, baterista d'O Grito, amante das artes, e um de seus maiores prazeres na vida é ouvir e pesquisar sobre música. De John Coltrane à Slayer, de Radiohead à Tom Zé, é a diversidade de sons que o fascina.

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