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Grisa entrevista Yuri Costa: a “Trilogia das Agonias” – uma obra dilacerante produzida ao longo dos anos de pandemia

Yuri Costa lançou o álbum “Sem medo” ou “A ironia de todos os medos possíveis” de forma independente na terça-feira 18/01. Este é o terceiro álbum da “Trilogia das Agonias” composta por “Crises Leves” 2020) e “Demoninho” (2021).

Eu tive a honra de entrevistar o músico e compositor Yuri Costa, que é natural do Rio de Janeiro, mais especificamente de Realengo. Ele começou aos quatorze anos a se gravar e a compor, e tem produzido suas músicas seu quarto.

Músicas cortantes, nas quais questões psicológicas se entrelaçam com o cotidiano real, em frases que me fazem arrepiar – isso sem falar nas imagens que suas letras criam em minha mente, na mistura de sentimentos, e na nostalgia que experimento a cada vez que escuto sua obra.

Todos os álbuns da “Trilogia das Agonias” foram produzidos ao longo dos últimos anos, desde o início da pandemia, de forma crua, com áudios com interferências sonoras como sons de televisão, notificações do WhatsApp, sons de pássaros, cachorros, entre outros ruídos.

Crédito: Yuri Costa
Confira abaixo nossa conversa:

Grisa: Sobre o nome “Sem Medo”, como você chegou até ele? E os nomes dos álbuns anteriores?

Yuri: Sem medo veio de forma quase inconsciente. Eu andava na minha adolescência pelas ruas de Realengo (bairro que eu ainda moro) e ao passar na rua atrás da Igreja (Rua Professor Carlos Wenceslau) eu vi escrito em letras grandes: S E M  M E D O, e a ironia é que eu sentia muito medo de passar por ali.
Já para chegar no nome “Demoninho” eu fui pelo caminho mais fácil, eu pensei: “Poxa todas músicas aqui são demo, acho que vou chamar o álbum de Demoninho”, algo carinhoso, dá um aconchego e um certo estranhamento – eu acho que muitas pessoas sentem isso quando escutam minhas músicas.
Por último, o álbum “Crises Leves” veio de um momento muito complicado da minha vida, onde estávamos em uma pandemia mundial e coisas fervilhando no âmbito pessoal. Nada leve né?
A fonte primária creio que seja a ironia, eu deixo as palavras fermentando na minha cabeça e um dia elas voltam.


Grisa: Como foi o momento em que você decidiu se lançar na música, você já teve alguma experiência anterior com bandas ou projeto solo?

Yuri: Minha experiência anterior foi com o meu projeto-quase-banda Real Engenho, em que toco junto com meu amigo João Autuori desde 2017. Apesar do material precário nas redes, sempre tocamos muito nas ruas, saraus e becos.
E quando comecei a tocar na rua, aos dezesseis ou dezessete anos, foi o momento em que eu decidi que amava aquilo.


Grisa: E a creepmachine records? Como foi a criação do selo e como é a sua relação com os outros artistas dessa cena tão rica e efervescente de Realengo?

Yuri: Ao crescer em Realengo pude me juntar com outros músicos e compositores do bairro, todos em uma faixa de idade aproximada e com vontade de conversar com o novo e o estranho. Assim criamos o selo creepmachine records com João Autuori, Fernando Carvalho e outros artistas, assim lançamos as coisas de forma independente porque não queríamos esperar alguém para nos lançar.
Minha fonte de inspiração vem dessas relações com os amigos, das diversas vezes que nos reunimos as vezes sem um propósito claro, mas que sempre dá resultados, uma nova ideia do que fazer. De forma pessoal o artista do selo que mais me inspira em termos de composição é o Yael Torres que está sempre três casas na frente do tabuleiro da vida.

Link para o Bandcamp da creepmachine recordshttps://creepmachine.bandcamp.com/


Grisa: Quais são suas inspirações literárias e o que mais te fascina a compor?

Yuri: O mais fascinante pra mim é quando uma frase que para mim era muito fechada no meu contexto pessoal toca as pessoas de formas inesperadas, quando eu recebo retornos sobre como minha música tocou alguém ou quando alguma parte específica dela foi ressignificada para que fizesse sentido na vida da pessoa que ouviu.
Me divirto muito com a criatividade das pessoas, e com as possíveis histórias que saem desses momentos.
Já minhas inspirações literárias vão longe, vão dos haikais do Leminski, ao Drummond, ao Oswald, a Hilda Hilst, a Ana Cristina César, e as coisas obscuras que ouço no centro da cidade.


Grisa: Ainda falando sobre influências, mas dessa vez na música, quais são os artistas que mais te influenciaram na criação da sua obra e os que você mais tem escutado?

Yuri: Acho que pra mim foi muito marcante o trabalho do Caetano Veloso, no entanto outro dia me peguei pensando sobre essa questão de influências e creio que a influência fundamental foi de uma banda chamada Quarto Negro, que infelizmente não está mais em atividade.
Foi a partir dessa banda que eu conheci uma das pessoas que mais me influenciou em composições, que é o Eduardo Praça.
Outra grande influência para mim é o cantor e compositor Fábio de Carvalho, eu particularmente acho ele incrível e desde que eu ouvi Paz Imensa pela primeira vez minha vida mudou.
Lembro que tive o prazer de assistir um show dele na Motim, e de quebra ainda entrevistei ele para uma rádio online.
Agora em questões estéticas, a banda paulista de post-punk e meio MPB Fellini, e o lo-fi de Daniel Johnston são minhas maiores referências.


Grisa: Você idealizou e produziu a “Trilogia das Agonias” durante a pandemia, eu gostaria de saber como o cenário atual tem impactado a sua obra – e entrando um pouco mais no lado pessoal: como foi seu período de quarentena e quais as saídas que você encontrou para manter a sobriedade?

Yuri: Nesse período que eu comecei a realmente lançar e divulgar amplamente as coisas que eu fazia enquanto solo. Eu senti que não dava pra ficar parado, mesmo dentro de casa, em que não dava para fazer shows, frequentar saraus, aparecer na rua para ver shows de amigos. Eu me sentia muito angustiado. Então, a internet foi um refúgio para ocupar minha cabeça e produzir algo, então decidi lançar os álbuns e abrir as possibilidades de comunicação com outras pessoas de diversas partes.
Sobre a sobriedade, fui muito pouco sóbrio. Acho que foi o período que mais bebi, isso também me fez refletir que não era isso que eu queria para mim e que eu queria empenhar minha energia em lançar coisas.


Grisa: Você gostaria de contar um pouco pra gente sobre os seus próximos planos/lançamentos, dar um spoilerzinho do que vem por aí?

Yuri: Com o lançamento do álbum “Sem Medo” tenho pensado muito no que vem depois… e agora realmente não sei, mas tenho refletido se não dou uma olhada em trabalhos antigos nunca lançados.
Penso em lançar um single em março, mas por enquanto não tenho nem nome para ele.



“A trilogia é quase uma forma de lembrar que as coisas ruins vão passar, que as coisas podem mudar. Mudaram tantas coisas ao longo desses anos.
Esse ano o bolsonaro cai.” – Yuri Costa

Links para escutar cada um dos três álbuns no Spotify:
Crises Leves
Demoninho
Sem Medo

Bandcamp: https://maiorfiasco.bandcamp.com/
SoundCloud: https://soundcloud.com/museu
Instagram: https://www.instagram.com/maiorfiasco/

Links para alguns vídeos de canções anteriores do artista:
Vermelha – https://www.youtube.com/watch?v=ecauUFESm50
Ano Novo – https://www.youtube.com/watch?v=kY-WWoT-nkM
Pedro Américo – https://www.youtube.com/watch?v=_6r4N8uTo7M

Giovana Ribeiro Santos

Giovana Ribeiro Santos

Giovana Ribeiro Santos (@grisaagrisa) tem 23 anos, é compositora, produtora, multi-instrumentista e luthier eletrônica. Engenheira mecânica pela Unicamp e mestre em Engenharia Acústica pela Le Mans Université (França), trabalhou como pesquisadora em acústica musical na Philharmonie de Paris e na Universidade de Edimburgo. Obcecada ao extremo pelo universo infinito que existe na intersecção entre a tecnologia e a arte, atualmente tem focado na criação de instrumentos musicais "não-convencionais" analógicos e digitais, com os quais produz músicas em seu projeto "Grisa".