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Disco da Semana – O arquiteto desconhecido do reggae

Creditado como gênio por Bob Marley, Joe Higgs foi professor e mentor de diversos dos mais importantes artistas jamaicanos da época, deixando suas digitais na raiz do Rocksteady, Reggae e Ska. 

Considerado por muitos um dos maiores cantores jamaicanos de todos os tempos, Joe Higgs teve uma infância pobre em Trenchtown – famoso gueto localizado na cidade de Kingston, na Jamaica – e aprendeu a cantar com sua mãe, que se apresentava no coral de uma igreja local. Logo aos 20 anos, Higgs começou sua carreira tocando no duo Higgs and Wilson, formado com o cantor e vizinho de bairro Roy Wilson, já emplacando ao lado de seu então parceiro o single “Oh Manny Oh“, que vendeu mais de 50 mil cópias no país, fazendo dele um artista reconhecido por todo o país, especialmente em sua cidade natal.

Em 1964, Wilson partiu para seguir carreira nos Estados Unidos e Higgs permaneceu na Jamaica, estudando e se aperfeiçoando cada vez mais em ritmos tradicionais jamaicanos e africanos, além de participar da banda Carlos Malcolm and his Afro-Jamaican Rythims e, posteriormente, do Soul Brothers, principal banda de apoio da Studio One – uma das mais proeminentes gravadoras do país. 

Já reconhecido e respeitado na cena musical de Kingston na época, Higgs passou a dar aulas de canto, arranjo e composição no quintal de sua casa em Trenchtown. Dentre seus alunos estavam Bob Marley, Jimmy Cliff, Bunny Wailer, Peter Tosh e Derrick Harriott. Além da questão musical, Higgs também era um mentor para seus pupilos, por ser muito engajado nas questões sociais que tanto afligiam o país naquela época. Com a ajuda de Higgs, o The Wailers conseguiu uma oportunidade na Studio One e, a partir daí, Bob Marley e companhia foram convidados para gravar aquela que seria a primeira canção da banda, intitulada “Simmer Down“, que abriu as portas para que o grupo começasse a ser altamente reconhecido na Jamaica e, posteriormente, no mundo.

Além disso, Higgs compôs uma das mais conhecidas músicas de Peter Tosh, “Stepping Razor“. Em 1990 ele foi acompanhado pelo The Wailers que atuou como banda de apoio do LP Blackman Know Yourself.

Life of Contradiction

Joe Higgs e Bob Marley | Créditos: Reprodução

O compositor, que não almejava o estrelato e desdenhava do show business e do lado comercial da indústria fonográfica, lançou seu primeiro disco solo apenas em 1975, aliado a uma banda formada pelo prolífico baixista Val Douglas – que tocou com Abyssinians, Manu Dibango e The Congos; Eric Gale – guitarrista de R&B que no ano seguinte se apresentou com a banda Stuff no festival de Montreaux; Michael Richards (bateria) – que já havia trabalhado com Herbie Mann – além de Earl “Wire” Lindo no piano. 

O resultado foi um disco um pouco diferente do reggae tradicional, repleto de influências e, mesmo assim, mantendo o estilo como raiz, sendo este o trabalho mais conceitual e introspectivo de Higgs, com letras que tratam desde as dificuldades ocasionadas pela pobreza e violência do bairro em que cresceu – presentes em “Got to Make a Way” e “There is a Reward” – até as contradições da vida e das relações humanas, com um toque de existencialismo, trazidas à tona em “Come on Home“, “She Was the One for Me“, e na fantástica faixa que dá nome ao álbum. Outra música que merece destaque é “Song my Enemy Sings“, que encerra o LP, contando com uma graciosa intro de piano que abre recinto para a contagiante linha de baixo que se estende ao longo da faixa, postada ao lado da notável voz de Higgs. 

Life of Contradition é um álbum com composições de temática profunda e instrumental requintado, que cresce nos ouvidos a cada audição. Higgs incorporava tudo que o reggae representa, e não é à toa que foi um dos principais arquitetos do gênero. Em entrevista para o documentário Roots Rock Reggae gravado em 1977 pelo diretor inglês Jeremy Marre, ele diz: “O Reggae é um som que nasce do confronto com as dificuldades. É um som subversivo. Ele pede liberdade”. E é uma sensação de liberdade que Life of Contradiction me traduz.

Em Vinil

O LP foi lançado poucas vezes. Primeiramente em 1975 na Jamaica, pelo selo Micron Music Limited em mono e estéreo. No ano seguinte foi relançado no Reino Unido pela extinta Grounation Records. O disco só voltou a ser produzido em 1991, na França, com dois selos diferentes, e saiu pela primeira vez em CD em 1995 nos Estados Unidos. 2008 foi o ano em que foi relançado pela última vez, em CD e LP, pela Pressure Sounds (Reino Unido).

Eduardo Raddi

Eduardo Raddi

Eduardo Raddi tem 24 anos, é acadêmico de Jornalismo, baterista d'O Grito, amante das artes, e um de seus maiores prazeres na vida é ouvir e pesquisar sobre música. De John Coltrane à Slayer, de Radiohead à Tom Zé, é a diversidade de sons que o fascina.

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