Leando Bertolo comenta seis discos da “geração pós bossa-nova”
Cantor, compositor e guitarrista, o músico de Porto Alegre Leandro Bertolo lançou recentemente seu segundo álbum, A Flor do Som. Disponível em formato digital e CD, o novo trabalho traz samba, bolero, choro-seresta e balada, tendo como grande referencial a MPB da década de 1970, chamada pelo artista de “geração pós bossa-nova”.
Para apresentar suas influências, Leandro listou para o Disconversa seis discos da geração pós bossa-nova que dialogam com seu trabalho. Confira!
Ouça agora o álbum Flor do Som
Chico Buarque (1978)
Considero Chico, grande letrista e melodista, o maior responsável pela transição bossa-nova e o surgimento da MPB como nova forma de manifestação musical a partir de sua geração. Ele é parceiro de Tom Jobim e Vinícius de Moraes e foi cunhado de João Gilberto. Bebeu diretamente dessas fontes, trabalhando, inclusive, com eles e encontrando nas relações com seus parceiros, sua linguagem criativa de grande compositor. Sou devoto e seguidor de Chico Buarque de Hollanda. Nesse disco há parcerias com Francis Hime e Gilberto Gil. O disco traz canções românticas, sambas, bolero e de outras vertentes. O lirismo sempre presente, além do apelo social e político. Algumas dessas características aparecem no meu disco A Flor do Som.
VELÔ (1984, Caetano Veloso)
Caetano Veloso passou por várias etapas em sua trajetória e nesse álbum coloca a marca determinante de sua MPB no pop que estava se fortalecendo e consolidando. Traz sua linguagem sempre poética, também com conteúdo social como em “Podres Poderes” e varia estilos de forma bela e rica. Eu tenho uma música chamada “Te Espero Na Canção” na qual, sem perceber, mais tarde identifiquei a métrica de “O Quereres”, sétima faixa deste disco.
O frevo “Vivendo em Paz” também marca presença revelando seu gosto pelo carnaval baiano e pernambucano. O carnaval passava na frente de minha casa na infância, e mais tarde descobri o carnaval baiano e do nordeste em geral. O frevo também me influencia. Meu disco A Flor do Som termina com a música “ATKI”, um frevo que eu considero uma mescla do estilo pernambucano com o baiano. “Língua” é uma música impressionante em tudo, mas principalmente na dialética e poesia. Disco espetacular de um dos maiores camaleões da MPB, sempre atual.
Luz (Djavan, 1982)
Belo trabalho de mais um gênio espetacular. Canções lindíssimas com levada jazzística no pop, afoxé, samba. “Sina” é um grande afoxé, mas com uma levada muito pessoal de Djavan, como sempre ele faz, homenageando Caetano Veloso com muita elegância. “Pétala” é uma balada linda arriscando a concepção do que possa ser o amor. “Samurai” é um pop jazz espetacular e ganhou participação de Stevie Wonder que não resistiu em querer fazer parte. “Capim”, com arranjo de Moacir Santos, eu entendo como um samba jazz, mas com a marca implacável do genial compositor. Enfim, meu trabalho apresenta claramente alguns desses elementos e vertentes. Meu afoxé “Rotas do Sonhar” tem influência da musicalidade de Djavan. “A Flor do Som” e “Luz do Amor”, meus dois pop jazz em parceria com Bianca Marini, também recebem a levada inconfundível dessa grande referência que tenho em Djavan. Esse disco faz parte de meu aprendizado como compositor.
Gonzaguinha da Vida (1979, Luiz Gonzaga Júnior)
É um dos discos desse grande gênio que tratou muito das questões sociais importantes do cotidiano brasileiro. Nesse disco a canção “Artistas da Vida” retrata essa temática com belíssima abordagem e linguagem poética. O samba “Com A Perna No Mundo” tem influência direta em meu estilo para o gênero, basta conferir meu samba “Canto Forte” que traz as duas características citadas nessas duas músicas de Gonzaguinha. As belíssimas “Diga Lá Coração” e “Não Dá Mais Pra Segurar” são canções românticas que me inspiraram demais. “O Preto Que Satisfaz” ganhou, inclusive, gravação decisiva das Frenéticas, fazendo muito sucesso. Uma parceria espetacular com Ivan Lins, o samba “Desenredo” também está em meu imaginário musical. Há ainda outras canções importantes como “Galopando” e “Vida de Viajante”, esta em parceria com o pai Gonzagão. Enfim, Luiz Gonzaga Júnior ainda é um dos expoentes máximos dessa geração da linha evolutiva de compositores pós bossa nova, e é presença garantida em minhas grandes influências.
Acústico MTV (2007, Paulinho da Viola)
Trata-se de uma retrospectiva do trabalho desse que é um dos maiores compositores de samba de todos os tempos. Sambas antológicos como “Coração Leviano”, “Pecado Capital” e “Tudo Se Transformou”, para citar alguns dos anos 1970. Outros mais recentes, como “Timoneiro”, “Eu Canto Samba” e “Talismã”, também são espetaculares. O samba-canção “Para Um Amor No Recife” e a antológica e premiada “Sinal Fechado” fazem parte deste acervo reunido num precioso documento musical em forma de disco. Eu tenho um samba em parceria com Gustavo Filho chamado “Momentos Felizes”, que tem o jeito Paulinho da Viola, e já estou com um samba novinho, ainda não gravado, com a marca desse grande sambista. Paulinho da Viola também está presente de forma muito efervescente nos meus sambas. Grande mestre.
Gagabirô (1984, João Bosco)
Quando do surgimento da canção “Papel Machê” aconteceu um impacto imediato e universal no jeito de fazer e interpretar canções. O próprio João Bosco estava se recriando a partir dela, assim entendo. Os versos encantadores de Capinam ganharam sonoridade diferenciada tanto em harmonia quanto na forma de interpretá-los. Não lembro de canção anterior de João Bosco ou de outro compositor com aquele jeito de sonorizar no violão e no canto. Mas além dessa mágica canção, os sambas “Jeitinho Brasileiro”, “Dois Mil e Índio” e “Pret-a-Porter de Tafetá” também ganham a cena. Esse último, inclusive, é vencedor de festival no Japão.
Existem outros discos de João Bosco que estão em minha memória musical, e ainda hoje interpreto várias canções desse grande artista brasileiro. Poderia citar “Jade”, “O Bêbado e A Equilibrista”, “Corsário”, “O Rancho da Goiabada”, entre outras que não estão nesse disco. Enfim, é muito difícil fazer escolhas mas a trajetória criativa de João Bosco, ao se depurar como “Papel Machê” revolucionou a MPB evolutiva de forma muito intensa e rica. João é influenciador de uma nova linguagem harmônica com estética pessoal e utilizando o falsete com proficiência. Uma de suas influências está em meu bolero “Náufragos de Amar”, que se relaciona um pouco com “Dois Pra Lá Dois Pra Cá” e com o próprio “Papel Machê”, impregnado em meu contexto musical. João Bosco é simplesmente espetacular.
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