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Na Parte Funda da Piscina #27 – Avant-Garde Hip-Hop ou Free Jazz?

Esta semana vamos de cabeça & com força ao fundo. E quando digo fundo, é FUNDO MESMO. Recentemente andei pesquisando toda uma cena estadunidense, mais precisamente nova iorquina, de jovens rappers, beatmakers e produtores fazendo e criando/aperfeiçoando uma sonoridade ímpar e totalmente alternativa em meio ao sucesso mainstream do Hip-Hop mundial. Ao certo não sei se possui um nome ou se é mesmo uma cena prontamente criada e que existe por assim dizer. O que pude constatar é um grupo fazendo música da melhor qualidade & soprando com uma sagacidade tremenda um frescor ao mesmo tempo afável e inóspito para ouvidos desavisados.

“Até aí tudo bem, mas o que essa cena-sem-nome-dos-fundos-abissais-do-underground tem a ver com o avant-garde ou o Free Jazz?” Já vamos chegar lá, mas antes vamos falar sobre música de vanguarda.

Música de Vanguarda é um termo genérico e engloba uma pá de compositores que vieram pós Segunda Guerra Mundial trazendo novidades nas composições musicais eruditas. Fora desse recorte podemos apontar como música de vanguarda, obras que rompem com o tradicional e utilizam técnicas de expressão inovadoras e radicalmente diferentes e assumindo, logo, um caráter quase experimental. Por carregar consigo essa característica de inovação, experimentação e principalmente rompimento com o que é tradicional, costumeiro e de variadas frentes, escolas, estilos e gêneros fica difícil conceituar de forma geral o que é e o que não deixa de ser música de Vanguarda. É preciso analisar uma a uma e ali dentro ver qualé que é. Talvez por esse motivo tais obras são tidas como difíceis ou até mesmo sem sentido. Só quem curte é diferentão-cult-bacaninha pagando de alterna. Isso é uma verdade, mas nem sempre.

Um dos grandes nomes da vanguarda musical mundial do pós guerra foi o inoxidável & genial John Cage. Com sua obra provocadora e rompendo com o antigo, foi (e é) uma referencia musical/artística para uma infinidade de artistas que usando as tensões geradas por Cage, construíram e modelaram novos movimentos e afins. Dito isso, John Cage e sua influência chega até músicos de Jazz negros estadunidense dos anos 1950 oriundos do Bebop, como o São John Coltrane , que começam a experimentar novos conceitos musicais (principalmente atonalismo e música aleatória) e criaram o que ficou conhecido como FREE JAZZ ou Avant-Jazz, muito popular nos anos 1960 e tendo como expoentes além de Coltrane, Ornette Coleman, Sun Rá, Cecil Taylor, entre outros.

“Tá, maneiro. Mas que isso tem a ver com Hip-Hop?” Estamos chegando lá.

Dos anos 1970 até os dias de hoje o Hip-Hop passou de uma cultura periférica marginal ligada ao povo negro estadunidense e virou hoje um dos principais gêneros musicais mais consumidos no mundo todo. Em toda complexidade e pluralidade sonora, a musicalidade negra estadunidense tem paralelos diaspóricos e que interligam diversos signos negroides em diferentes estilos musicais, do blues ao soul e do jazz ao rap, que teve muito de seus beats e músicas o uso de samples de pepitas sonoras do Jazz, fazendo assim uma ligação direta ao ressignificar o Jazz no uso da construção do beat e da música da cultura Hip-Hop.

Ainda no final dos anos 1980 e inicio dos anos 1990 dois Deuses Negros do Jazz lançaram discos misturando jazz e elementos do Hip-Hop, foram os discos “Back on The Block” (1989) de Quincy Jones e “Doo-Bop” (1992) de Miles Davis. Essa ligação mediada por dois nomes consagrados da música mundial que transitaram por todos os estilos como participantes ou como criadores, aproximou ainda mais o jazz do rap e que durante os anos 1990 ficou ainda mais evidenciado e famoso o uso de samples jazzisticos em composições de rap devido ao coletivo Native Tongues (A Trible Called Quest, De La Soul e Jungle Brothers, principalmente), Digable Planets que usavam instrumentos clássicos de Jazz em suas apresentações, Gang Starr e Guru Jazzmatazz além dos beatmakers e produtores como J Dilla <3, Madlib e seus quase infinitos projetos paralelos e influentes, DJ Premier e o inestimável MF DOOM.

MF Doom é a figura que interliga todos esses pontos. Ao usar sonoridades incomuns e diversas em seus samples como Frank Zappa e Sun Rá ou Arthur Verocai e Sade, Doom possui suas peculiaridades e trata de temas diversos em seus raps e beats, mostrando a possibilidade de criação a partir da ruptura do estabelecido e contribuindo na revolução da cena underground/alternativa da cultura Hip-Hop no final dos anos 2000. Da união de MF Doom e de Madlib, nasceu o projeto/álbum “Madvillain” (2002) e que foi um divisor de águas e reverberou mundialmente em pessoas cujo interesses por sonoridades distintas, cultura pop e liricas mais introspectivas puderam se ver e ter aquele desejo de criar, ou somente gostaram do flow da parada e quiseram fazer igual, aí vai de cada um.

Nesse set pude reunir um pouco desse caldo sonoro e da vanguarda do hip-hop atual. Basicamente são nomes do coletivo sLUms de NY e pode ser uma continuidade na ruptura de Madvillain, de Odd Future (Principalmente Earl Sweatshirt) e de beatmakers como Knxwledge, Flying Lotus, Samiyam, Mndsgn e selos como Stones Throw e brainfeeder. Os artistas que tiveram Earl como uma especie de padrinho/mentor veem lançando seus trabalhos desde 2017 e contribuindo de maneira mutua em trabalhos de cada um. Coletivo que tomou as rédeas e mostra que está na vanguarda deste revolucionário e plurifico movimento cultural que é o Hip-Hop. Uma das caracteristica são o uso dos beats em loops, sem bateria e com letras introspectivas e com um tom quase confessionário. Quem puxa o bonde é o prodígio do bonde, o talentoso MIKE que desde 2017 vem chamando atenção tanto da crítica especializada quanto do público em geral.

O Mergulho ainda vai além da molecadinha do sLUms e junta outras peças dessa cena-sem-nome-dos-fundos-abissais-do-underground que dialogam entre si, tem o jazz do trompetista japonês Takuya Kuroda, que vive em NY, tem MF Doom e Earl Sweatshirt, tem Flying Lotus e Knxwledge, tem Vince Staples e  Standing on The Corner um exímio grupo de avant-garde jazz e por vivermos em um mundo onde a ubiquidade conectiva é presente em grandes centros urbanos no mundo todo, temos dois membros do selo musical carioca BANAL, tanto o seu criador Lessa Gustavo e Duvô. O uso do Lo-fi como opção estética e a virtude do faça você mesmo, permite a ressignifcação do uso de samples nas composições musicais para além de um elemento basilar da música e sim um elemento que compõe a história ali contada em versos do rap. É importante salientar que não é raro ver movimento Underground influenciando a forma de fazer música no mainstream. Muitos dos nomes aqui citados neste parágrafo são oriundos de cenas alternativas e hoje contribuem como agentes influentes e de sucesso comercial.

Faço coro aos que dizem que o rap e a cultura hip-hop é uma ramificação do Jazz. No mínimo são parentes, avô e neto. Quero que me provem que não. Da origem do jazz até a origem do rap, muitas revoluções aconteceram e ainda vão acontecer. Das figuras que dialogam em seus trabalhos e fazem obras de fusão e coesão divulgando e propagando novos sons, novos estilos, novas histórias e afins. Afinal continuaremos aqui com nossas roupas de mergulho, nossos sistemas de sons ligados & com ouvidos famintos por novas sonoridades.

Bom mergulho e vem junto onde nem o SHAZAM ACHA. Brota com o som no máximo.

Na Parte Funda da Piscina #27 – Avante-Garde Hip-Hop ou Free Jazz?
Tema de Abertura – tranzimbah
SLD (Quiet Storm Hour) – E. Jones
Overture/Vaudeville Villain/Uckupon – Viktor Vaughn
GOD’S WITH ME – MIKE feat. Standing on The Corner
Lessons From My Mistakes…But I Lost Your Number – Liv.E.
Terms and Conditions – MAVI
AM//Radio – Earl Sweatshirt feat. WiKi
2 For Ur Mistakes – Maassai
Between Friends – MF DOOM Ft. Earl Sweatshirt (Prod. Flying Lotus)
Chance – The Jet Age of Tomorrow feat. India Shawn & MarkUsFree
Something’s Missing – The Internet
Pony Fly – Matt Martians feat. Steve Lacy
Robo Tussin (Instrumental) – Flying Lotus
Moody – Takuya Kuroda
Orange Juice Simpson -The Jet Age of Tomorrow
But She’s Not My Lover – The Jet Age of Tomorrow
Huey – Earl Sweatshirt
sameolemeek – Knxwledge feat. Meek Mill
Hell Bound – Vince Staples
Seven (live) – BADBADNOTGOOD feat. Tyler, The Creator
uma jangada na lava – lessa gustavo
Dúzia de Flores – Duvô

William de Abreu

William de Abreu

William “Tranzimbah” de Abreu tem 29 anos, é comunicólogo e DJ.⠀ Will é o cara que manja tudo de Black Music, um dicionário ambulante de quem sampleou quem nesse mundão sem fronteira. As misturas de música brasileira com rap e hip-hop são seus xodós.

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