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Disco da semana – A maratona criativa de Lô Borges

Gravado em 1972, mesmo ano do cultuadíssimo Clube da Esquina, o LP homônimo de Lô Borges que ficaria conhecido como “Disco do Tênis” foi gravado como cumprimento de responsabilidades com a gravadora Odeon, e resultou em um de seus trabalhos mais icônicos.

A Odeon – que só aceitou a participação de Lô no Clube da Esquina em função da insistência de Milton Nascimento, que ameaçou deixar a gravadora caso não concordassem – ofereceu-lhe um contrato após seu fenomenal trabalho no disco. O jovem de 20 anos, que mal havia começado a compor, não titubeou e aceitou o desafio. Precisaria criar, em um curto período de tempo, uma série de canções que fariam parte do repertório de seu primeiro álbum solo. 

Para respeitar o prazo curto que tinha com a gravadora, Lô, que já havia esgotado todas suas composições com o Clube da Esquina, teve que entrar em uma rotina com aspectos de maratona. Compunha de manhã, o irmão Marcio Borges escrevia a letra à tarde, e, de noite, a música era apresentada para a banda, que criava os arranjos a partir do improviso. Na mesma noite a faixa era gravada e, no dia seguinte, o processo se repetia.

Tendo em vista o prisma de pressão em que o disco foi gravado, a criatividade que se aflora nele é impressionante. Como o próprio Lô diz, o álbum foi concebido a partir de uma “oficina instrumental de criação”. A banda, formada por nomes como Toninho Horta, Beto Guedes, Novelli, Danilo Caymmi, Nelson Angelo, Robertinho Silva e Flávio Venturini, varia de formação em quase todas as faixas. Um exemplo disso é Beto Guedes, que ao longo do LP,  toca bateria, percussão, bandolim, baixo, piano elétrico, orgão, violão, viola e guitarra, além do vocal principal em “Como o Machado”, e vocais de apoio em outras faixas. 

Lô Borges e Beto Guedes (Foto de Paulo Castelo Branco/Museu do Clube da Esquina)

A capa com o Adidas surrado, que se tornou icônica, foi uma clara mensagem à gravadora. Lô estava de saída. Ansioso para deixar aquela rotina estressante da indústria fonográfica, ele sequer fez uma turnê do disco. Viajou para Porto Alegre, e depois para a Bahia, para relaxar, e a divulgação do álbum acabou se limitando ao compositor entregando cópias de sua cota de LPs a hippies cabeludos (e sortudos) em rodas de conversa (cof). 

O disco ficou esquecido até pelo próprio Lô, que mesmo quando voltou a gravar e se apresentar, nunca tocava as músicas. Apenas após 45 anos de sua gravação, as faixas do Disco do Tênis voltaram a serem apresentadas em seus shows. Em 2017, o tocou na integra em diversas cidades do país. A turnê foi registrada no DVD Tênis + Clube Ao Vivo, gravado no Circo Voador em 2018.

As músicas são extremamente curtas, e mesmo assim, repletas de elementos, capazes de instigar o ouvinte a perceber nuances a cada audição – algo muito impressionante para um LP gravado sob pressão. Tudo soa absolutamente orgânico e em seu lugar. Ao mesmo tempo, evoca um certo ar místico. Toda uma atmosfera se cria de maneira coesa, ao mesmo tempo em que as faixas tem aspectos um tanto diferentes umas das outras, trazendo elementos tanto do Clube da Esquina, como da música nordestina e do folk, temperados com um essencial toque de psicodelia, além do experimentalismo que naturalmente se deu através do improviso e das trocas de formação do grupo no estúdio.

Em uma época em que estava fascinado pelo álbum Axis: Bold as Love de Jimi Hendrix, Lô compôs um sofisticado rock n’ roll, onde divide as guitarras com Beto Guedes. Trata-se da primeira faixa do disco, “Você Fica Bem Melhor Assim”. Tavinho Moura, curiosamente um compositor folclórico de viola mineira, escreveu a evocativa letra de teor psicodélico, no maior estilo do próprio Bold As Love, trazendo ainda mais peso à faixa. O disco segue com músicas que evocam a sonoridade do Clube da Esquina, como “Canção Postal” e “O Caçador”, sintetizando tudo que a música mineira tem de melhor. Em “Faça Seu Jogo”, temos arranjos e regência de Dori Caymmi, que unidos à linda letra de Marcio Borges e a característica voz do jovem Lô, constituem uma sólida obra-prima. É possível ouvir as influências nordestinas no baião psicodélico de “Não foi Nada”, e o jazz em “Não se Apague Esta Noite”. Em “Como o Machado”, Lô canta a sensação de se viver em uma ditadura militar, numa linda e melancólica canção. Melancolia essa que também se ouve na não menos enigmática “Eu sou como você é”. O disco se encerra ao som da bucólica viola de Beto Guedes, que conversa lindamente com a cama criada pelo órgão de Tenório Junior em “Toda Essa Água”.

O “Disco do Tênis” transpira um ar hermético, enigmático, que não se traduz completamente por palavras, e sim por profundas emoções. Um grande marco na música brasileira.

Em vinil

Com tiragem pouco expressiva em seu lançamento, as cópias da tiragem original, lançada com capa sanduíche, ultrapassam os quatro dígitos nas mãos de vendedores. No discogs, uma cópia já foi vendida por R$3.400 aproximadamente. Seu preço médio é de R$1.470 e há hoje uma cópia a venda no site.

Para quem deseja ter a obra e não pretende gastar esse valor na cópia original, o LP foi reeditado algumas vezes no Brasil e seus preços são mais acessíveis. Há edições lançadas pela EMI/Odeon em 1976, 1987. Em 2017, comemorando os 45 anos do vinil, a Polysom trouxe ao mercado uma reedição que reproduz a arte original do álbum – com excessão do selo e da plastificação (“sanduíche). Ainda é possível comprá-la por menos de R$200. Fora do Brasil, nos Estados Unidos, existe também a versão lançada pelo selo 4 Men With Beards em 2010. Em CD, há também lançamentos feitos no Japão e Europa.

Eduardo Raddi

Eduardo Raddi

Eduardo Raddi tem 24 anos, é acadêmico de Jornalismo, baterista d'O Grito, amante das artes, e um de seus maiores prazeres na vida é ouvir e pesquisar sobre música. De John Coltrane à Slayer, de Radiohead à Tom Zé, é a diversidade de sons que o fascina.

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