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Progressivando: Pink Floyd – Obscured By Clouds (1972)

Muitas vezes esquecido entre o Meddle e o The Dark Side of The Moon, esse disco poderia sintetizar vários aspectos de toda a obra floydiana, quase como uma epígrafe. Misterioso, sublime, introspectivo e cativante – o assunto de hoje é Obscured by Clouds, álbum de estúdio da aclamada banda britânica Pink Floyd que foi lançado em 1972 como trilha sonora do filme francês La Vallée de Barbet Schroeder.

Já acostumados a compor para trilhas sonoras de filmes, como em More (1969), o Pink Floyd deu uma pequena pausa nos já iniciados trabalhos em cima de The Dark Side of the Moon e entrou em estúdio nas terras francesas para conseguir elaborar algo que se encaixasse ao filme de Schroeder em apenas duas sessões. Exatamente por conta desse contexto, a atmosfera que envolve o álbum é composta de várias ideias embrionárias que ganhariam corpo logo mais no “lado escuro da lua“. Mas não se engane! Esse não é o único viés do disco: há também traços do primitivo Floyd e da aura de Syd Barrett (afinal, é quase impossível dizer não a uma pitada de psicodelia e experimentalismo, não é mesmo?).

O disco faz ainda um prenúncio ao Pink Floyd pós-Waters, que seria marcado principalmente por vocais e guitarras mais melodiosas lideradas por Gilmour – o que fica evidentemente audível na faixa de sua completa autoria “Childhood’s End”. É por essas e outras que o Obscured by Clouds é daqueles discos com capacidade de agradar diversas personalidades discólatras, sendo altamente recomendado tanto para introduzidos quanto para pessoas que buscam um primeiro contato com Pink Floyd, pois partindo dele é possível voltar para a psicodelia dos álbuns anteriores ou ir para a fase mais rebuscada em produção e conceito dos álbuns seguintes. Obscured by Clouds conversa muito bem com vários dos álbuns icônicos da banda como Atom Heart Mother, Meddle, The Dark Side of the Moon, Wish You Where Here, A Saucerful of Secrets… Enfim, é mesmo uma epígrafe do que hoje chamamos de Pink Floyd.

Cartaz de La Vallée, o filme de Barbet Schroeder que teve Obscured By Clouds como trilha sonora

Um ponto crucial que dá todo o sentido de Obscured by Clouds ser uma síntese da obra floydiana é justamente o fato de que o álbum foi inteiramente produzido pela própria banda, conferindo-lhe um olhar totalmente autêntico – nele está refletida parte da essência do que cada membro da banda acreditava musicalmente. Além disso, o disco foi produzido de forma muito bem costurada para fornecer toda a base que uma viagem de conhecimento ao seu próprio interior pode pedir, assim como pedia o filme. 

A primeira faixa, “Obscured by Clouds”, se inicia misteriosa e anuviada, como se você estivesse adentrando no desconhecido através de uma neblina, como se alguém tocasse levemente sua mão e te guiasse para um lugar que você não sabe ao certo o que vai encontrar, mas não necessariamente que você sinta algum medo em descobrir. Essa faixa, então, desagua no começo forte encabeçado pela bateria de Mason em “When You’re In” que segue para um riff bem definido e para frente, dando justamente a ideia de que tudo ficou claro e o que se procurava foi encontrado. Um detalhe que eu considero fantástico nessa música é ela terminar em fade out, já que quando você está lá, nesse lugar límpido, nesse ponto tão almejado, não restam mais dúvidas e isso não precisa ter um fim, é aquilo por si só – você só relaxa e repousa naquele estado. Várias das músicas do disco, na verdade, terminam deliberadamente em fade out numa espécie de simbiose com as cenas do filme para dar o perfeito encaixe.

Seguindo pelo álbum, deparamos com a suave “Burning Bridges”, acalmando todos os minutos iniciais do disco em um momento onde nosso corpo é suspenso na atmosfera floydiana. Os vocais se alternam entre os falantes direito e esquerdo, explorando recursos para dar dimensão ao som que a banda utilizou bastante não só nos álbuns, mas também nas apresentações ao vivo com os sistemas de som surround. O tema dessa música ainda é retomado ao final do lado A do disco na faixa instrumental “Mudmen”.

Pink Floyd durante as sessões de gravação de Obscured By Clouds no Strawberry Studios, Château d’Hérouville – França

The Gold It’s in the…” é daquelas faixas que remetem ao estilo Syd Barrett e aos anos primitivos do Floyd pela sonoridade mais rasgada da guitarra que acompanha a levada enérgica da bateria, porém sem ser tão ousada a ponto de caber num álbum como o The Piper at the Gates of Dawn.

Um dos destaques de Obscured by Clouds é o trabalho acústico com violões que dão continuidade ao sentimento de “Fearless” no antecessor Meddle. Por exemplo, em “Wot’s… Uh the Deal” os violões tomam conta da cena que é bem fundamentada numa linha de baixo lindíssima e por fim abre espaço para as teclas do Wright brilharem. Um detalhe musicalmente inteligente a ser ressaltado nessa música são as passagens como em “stone after stone (stone after stone)”, onde os vocais se empilham com as segundas vozes repetindo o verso e materializando sonoramente a parte lírica da canção. 

Free Four” e “Stay” também compõem o lado B do disco, sendo a primeira uma composição de Waters embebida em sua ironia de proporcionar um instrumental feliz enquanto a letra segue fúnebre. Já “Stay” (uma das minhas faixas preferidas do disco) traz um clima leviano ótimo, que trata de profundos breves momentos com pessoas capazes de nos traduzir tão bem por instantes tão efêmeros – uma balada romântica na voz e teclas suaves de Wright.

Encerrando o álbum em um dos muitos anseios experimentalistas do Pink Floyd, “Absolutely Curtains” nos oferece de despedida um cântico de uma tribo que pouquíssimo contato teve com a civilização dominante da qual fazemos parte, num convite subliminar para que nossa viagem se estenda por caminhos interiores inexplorados e livres dos estigmas da nossa sociedade.

É impossível terminar essa conversa sem mencionar a arte da capa: uma das icônicas criações da Hipgnosis idealizada por Storm Thorgerson e Aubrey Powell, que nos sugere uma imagem desfocada e obscurecida por nuvens ou mesmo gotículas de chuva de um homem em uma árvore – uma arte que diz tanto que é difícil imaginar uma capa alternativa que compreenda tão bem o referido disco.

Sem dúvidas, esse é um dos  discos do Pink Floyd e que não merece ficar apenas despercebido entre seus vizinhos. Desobscureça sua mente! Mantenha a boa música viva!

Raphaela de Oliveira

Raphaela de Oliveira

Contrabaixista mineira que escolheu a Física como profissão. Divide o tempo que resta entre o ballet clássico, os vinhos e seus preciosos vinis. É capaz de prosear horas a fio sobre sua paixão - o rock progressivo! Aceita um cafézin?

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