Disco da Semana – Despiertate Nena! Rock argentino em 16 discos essenciais
Quer conhecer mais álbuns e artistas do rock argentino, mas não sabe por onde começar? Na coluna desta semana, resolvi fazer algo diferente. Aumente o volume e mergulhe comigo nessa viagem por 16 discos essenciais da maravilhosa cultura dos nossos hermanos!
Almendra – Almendra (1969)
O Almendra era constituído por Luis Alberto Spinetta (guitarra e voz), Emilio del Guercio (baixo), Rodolfo García (bateria) e Edelmiro Molinari (guitarra). O primeiro disco da banda, autointitulado, é o pináculo do rock argentino. É muito diferente de tudo. Spinetta e companhia traziam em seu álbum de estreia algo inovador, repleto de dinâmica, cor e sensibilidade, quebrando paradigmas no próprio rock argentino e abrindo portas para uma liberdade criativa sem igual até ali, flertando com elementos tanto do jazz e da música erudita quanto do folk e do pop barroco do Sgt. Peppers.
Leia aqui o meu texto completo sobre o Almendra.
Manal – Manal (1970)
Em meio a uma cena musical completamente impregnada pelo movimento beat, onde poucos ousavam cantar em castelhano ou soar diferente, nascia um oásis cultural no bar La Cueva. O lugar era um reduto da boemia de Buenos Aires, onde aconteciam apresentações e se encontravam músicos, poetas e outros artistas. Lá, estavam presentes muitas das bandas fundadoras do que conhecemos hoje como rock argentino.
No meio desse “oásis” estava o ‘Manal’. O trio foi formado em 1968, integrado por Alejandro Medina (baixo), Claudio Gabis (guitarra) e Javier Martinez (bateria e vocal), e é considerado o alicerce do blues na Argentina. O rock em castelhano já existia, por conta de bandas como o Los Gatos e os Los Beatniks, mas foi em função de grupos como o Manal, que a sonoridade em si começava a ganhar uma verdadeira identidade argentina.
Manal é o segundo disco desse power trio, e mistura influências desde Cream, Muddy Waters e Creedence Clearwater Revival, até o tango argentino – naturalmente absorvido pelos integrantes – e o jazz – gênero também muito importante na constituição da sonoridade do rock argentino. Tudo isso sintetizado, criando uma linguagem própria. Um blues ao mesmo tempo sofisticado e visceral, tipicamente portenho.
Vox Dei – La Biblia (1971)
Em 1970, o Vox Dei lançava seu primeiro álbum, “Caliente”, um disco sem muita estrutura, bem visceral e voltado ao rock psicodélico. Para o segundo LP, o grupo tinha maiores pretensões.
No final da década de 1960, os álbuns conceituais começavam a se popularizar. O The Who lançava sua opera rock “Tommy”, e o The Kinks, “Arthur or The Decline and Fall of the British Empire”. Era questão de tempo para que a Argentina, com toda sua rica cena de rock, fosse contaminada pela ideia. O Almendra bem que tentou em 1970, quando pretendiam lançar uma opera rock como seu segundo disco, mas o grupo acabou antes de conclui-la. O Vox Dei acabou fazendo antes, e muito bem, e escolheram como base o maior best-seller do mundo: a Bíblia.
La Biblia, é uma das obras que ocupam a prateleira de cima no panteão do rock argentino. É o primeiro grande álbum conceitual do gênero no país. O disco é uma deliciosa viagem, do gênesis ao apocalipse, com influências que abrangem desde o Almendra até o Pink Floyd.
Arco Iris – Sudamerica o el Regresso a la Aurora (1972)
Oriunda dos subúrbios de Buenos Aires – ao contrário do Almendra, Sui Generis e outras bandas que vinham de áreas mais nobres da cidade – o Arco Iris acabou não recebendo seu devido reconhecimento como um dos alicerces da fundação do rock argentino. É, porém, um dos grupos mais importantes da cena e possivelmente o mais versátil.
Com uma rica e eclética discografia, foi difícil escolher apenas um álbum para representa-los nessa lista, mas creio que “Sudamerica o el Regresso a la Aurora” os faz jus. É um disco ousado, conceitual e muito multifacetado. Uma verdadeira ode à américa latina, reproduzida em dois atos. Ao longo de pouco mais de uma hora e meia ouvimos guitarras gêmeas, flautas e percussões tradicionais indoamericanas, música folk dos pampas argentinos, jazz, e até toques de música erudita. É um álbum riquíssimo, feito por gente claramente apaixonada por música e pelas suas raízes.
Sui Generis – Vida (1972)
“Vida” foi o ponto de partida da carreira de um jovem Charly Garcia, ao lado de seu então parceiro Nito Mestre. É um trabalho simples – especialmente se tratando de Charly – constituído por canções folk e pop. O grande trunfo aqui são as harmonias, bonitas e memoráveis. Uma simplicidade sensível e cândida com a assinatura de um compositor genial. Não é à toa que o álbum vendeu mais de 500 mil cópias no país.
O disco conta também com participação especial de Claudio Gabis (Manal) e direção musical de Billy Bond.
Pescado Rabioso – Artaud (1973)
Um dos álbuns mais importantes da história da música argentina, Artaud não poderia faltar na lista. O que nem todos sabem é que esse é na verdade um disco solo de Spinetta. Na formação, nenhum membro do Pescado Rabioso original. Aliás, está mais próximo de uma reunião do Almendra do que um disco do Pescado, afinal, a formação é constituída por dois membros do lendário grupo – Emilio Del Guercio e Rodolfo Garcia. Além deles o irmão de Spinetta, Carlos Gustavo, toca bateria.
No conceito, Artaud é uma homenagem ao poeta francês Antonin Artaud. Na lírica, Spinetta nos graceja com sua exuberante poesia temperada de existencialismo e beleza, baseada em obras do francês. E na música, quase todo o LP foi gravado ao vivo, e as 9 faixas que o compõe misturam jazz, folk, pop e rock. Trata-se de um marco, uma obra-prima.
Tanguito – Tango (1973)
Um dos compositores de “La Balsa” ao lado de Litto Nebbia – canção que ficou famosa por popularizar o rock em castelhano ainda na década de 1960 – Tanguito é uma das figuras mais influentes do rock argentino. Um exemplo disso é o fato de que o compositor era um dos maiores ídolos de ninguém menos que Luis Alberto Spinetta.
Esse é seu único disco. Nele, o artista nos deleita, sintetizando, apenas em voz e violão, um rock poderoso, verdadeiro, subversivo, poético, visceral…gigante! Um talento que se foi cedo demais.
Color Humano – Color Humano II (1973)
Esse power trio foi fundado pelo guitarrista Edelmiro Molinari no final de 1971, após a dissolução do Almendra. O nome do grupo, “Color Humano”, vem da segunda faixa do primeiro álbum do Almendra, de mesmo nome, composta por Edelmiro.
O primeiro disco da banda foi gravado em 1972 com o multi-instrumentista David Lebon assumindo as baquetas. No final do ano, Lebon deixaria o trio para entrar no Pescado Rabioso, sendo substituído por Oscar Moro – então baterista do Los Gatos. Nos graves, o antigo baixista do ‘La Pesada’, Rinaldo Rafanelli. Essa seguiu como a formação da banda até seu fim em 1974.
Para o segundo LP, o grupo concebeu músicas originalmente destinadas a um álbum duplo, gravando todas as faixas nas mesmas sessões de estúdio. Por falta de logística e recursos, foram lançados em dois discos diferentes, nomeados “Color Humano II” e “Color Humano III” – o último, lançado no ano seguinte. Musicalmente, o trio pareceu alcançar uma sonoridade própria com a entrada de Moro, fazendo um hard rock de alto nível com toques de rock progressivo.
Pappo’s Blues – Pappo’s Blues Volumen 3 (1973)
Pappo Napolitano foi um dos maiores guitarristas de todos os tempos. Quando tocou com B.B King no Madison Square Garden em 1993, o bluesman classificou a música do argentino como “fabulosa e grandiosa”.
Em seu terceiro disco, já com uma nova sessão rítmica, constituída por Machi Rufino (baixo) e Pomo Lorenzo (bateria) – que iriam integrar o Invisible no ano seguinte – só falta Pappo fazer chover. Me lembra muito a sonoridade do trio da carreira solo do lendário Rory Gallagher, despejando poderosos riffs catárticos, só que evidentemente com as particularidades do rock portenho. Remete também a Black Sabbath.
Invisible – Invisible (1974)
Com o fim do Pescado Rabioso, Spinetta partiu em sua próxima empreitada. Formou o Invisible ao lado da sessão rítmica do Pappo’s Blues. A banda gravou três álbuns excelentes.
Nesse debut lançado em 1974, o grupo viaja por sonoridades que vão de improvisos jazzísticos até densos riffs de hard rock, num piscar de olhos. Consegue ser o LP mais pesado de toda a carreira do El Flaco (alcunha de Spinetta), e ainda assim, extremamente sofisticado.
Aquelarre – Brumas (1974)
O Aquelarre foi um dos frutos da dissolução do Almendra. Foi formada por Emilio Del Guercio, Rodolfo Garcia, o guitarrista Héctor Stark e o tecladista Hugo Gonzalez Neira. Durante a trajetória de seis anos, lançaram cinco ótimos álbuns de estúdio. Uma característica que faz com que a banda tenha uma sonoridade versátil é que, desde o primeiro trabalho, todos os integrantes compõe juntos.
Em Brumas – terceiro disco da banda – não é diferente. Temos desde baladas voz e violão como “Silencio Marginal”, levadas com cadencias “pinkfloydianas” como em “Parte Del Dia”, e improvisos de jazz com pontes progressivas como em “Mirando Adentro” – faixa que encerra o álbum.
La Maquina de Hacer Pajaros – La Maquina de Hacer Pajaros (1976)
A Maquina de Hacer Pajaros foi um dos projetos que Charly Garcia formou ao final do Sui Generis. O grupo era integrado pelo baterista Oscar Moro (Los Gatos, Color Humano), o baixista Jose Luiz Fernandes, o guitarrista Gustavo Bazzterica, e, dividindo as teclas com Charly, Carlos Cutaia. Essa dinâmica sinergia entre os teclados, órgãos e pianos, seria um dos diferenciais da banda, e se faz presente desde o primeiro lançamento – autointitulado. Aqui Charly começa a compor obras mais complexas do que as que concebia em sua banda anterior, influenciado fortemente pelo rock progressivo de bandas como Genesis e Yes, e o rebuscado pop dos Beatles e do Procol Harum.
Luis Alberto Spinetta – A 18′ Del Sol (1977)
É basicamente um álbum de jazz fusion, compreensivelmente não tão conhecido na extensa discografia de Spinetta especialmente pela sua sonoridade experimental. Aqui, ele, compositor e arranjador de todas as músicas do LP, mostra virtuosismo na medida certa. A primeira faixa, “Viento del Azur”, tem até uma certa ornamentação estilo bossa-nova. O álbum ainda conta com “Canción para Los Dias de la Vida” – balada que é uma das obras-primas do compositor. Destaque também para “Toda la Vida Tiene Musica Hoy”. O trabalho do tecladista Diego Rapoport nesse disco é estupendo.
Rayuela – Rayuela (1978)
Uma das mais “obscuras” bandas dessa lista – quiçá a mais – foi fundada em 1976 e lançou apenas um álbum, autointitulado.
O rock argentino sempre teve uma forte ligação com a literatura e aqui não é diferente. O nome “Rayuela”, é homenagem ao clássico romance do cultuado escritor argentino Julio Cortazar (em português “O Jogo da Amarelinha”). Os integrantes são um tanto desconhecidos e (os que fizeram) fizeram pouquíssimos trabalhos na música depois de gravar este álbum. São eles Willie Campins (baixo), Guillermo Nojechowicz (bateria e percussão), Andres Goldstein (guitarra e vocal), Eduardo Berinstein (saxofone) e Marcelo Morano (piano). Como engenheiro de som, Oscar Giménez, que já havia produzido trabalhos do Vox Dei e do Invisible.
Musicalmente no LP, um desfile de versatilidade e sofisticação. Hora ouvimos jazz, hora folk, e hora rock progressivo no maior estilo Camel, com arranjos refinados e deliciosas harmonizações vocais. Em entrevista para a folclórica revista musical argentina ‘Pelo’, Andres disse: “creio que a sonoridade do grupo ainda esteja sendo definida”. No mais, é uma pena que a banda teve uma vida curta e não pudemos ouvir como essa sonoridade se desenvolveria…
Serú Giran – La Grasa de las Capitales (1979)
O Serú Giran uniu um time de músicos fantásticos – Oscar Moro (bateria), Pedro Aznar (baixo) e David Lebon (guitarra) a um compositor da última prateleira – Charly Garcia. O resultado não poderia ter sido outro, senão um trabalho de alto nível. O papel de Charly no segundo álbum do grupo vai, desde as composições (com exceção de “Paranoia Y Soledad”) até a produção. A arte de capa, também idealizada pelo compositor, é uma ardente crítica à ditadura do general fascista Jorge Rafael Videla, que constantemente rechaçava a banda, assim como a grande mídia argentina.
No mais, La Grasa De Las Capitales é um álbum monumental, que une de maneira primorosa o pop ao virtuosismo.
Soda Stereo – Canción Animal (1990)
Em 1988, com o álbum “Doble Vida”, o Soda Stereo começava a alcançar uma sonoridade mais própria, se afastando um pouco do som new wave clichê que dominava boa parte da década de 1980. Mas foi com Canción Animal que a banda realmente atingiu sua revolução sonora, seu auge artístico. No LP, o talentosíssimo compositor Gustavo Cerati traduz suas influências – que vem desde Spinetta até o post punk inglês– para uma linguagem contemporânea e original.
Menções honrosas:
Billy Bond Y La Pesada – Billy Bond Y La Pesada del Rock N Roll (1971)
Piel Del Pueblo – Rock de las Heridas (1972)
Pescado Rabioso – Desatormentándonos (1972)
Kubero Diaz Y La Pesada – Kubero Diaz Y La Pesada (1973)
Sui Generis – Pequeñas Anédoctas Sobre Las Instituiciones (1974)
PorSuiGieco – PorSuiGieco (1976)
Invisible – El Jardin De Los Presentes (1976) e Durazno Sangrando (1975)
Arco Iris – Los Elementales (1977)
Tantor – Tantor (1979)
Almendra – El Valle Interior (1980)
Luis Alberto Spinetta – Kamikaze (1982)
Edelmiro Molinari – Edelmiro Y La Galetita (1983)
Spinetta Jade – Bajo Belgrano (1983)
Charly Garcia – Clics Modernos (1983)
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