Grisa entrevista

Grisa entrevista SLSD: o álbum “Vira-lata”

Depois de 5 anos contados desde seu EP “Olhos Abertos, Bocas Fechadas” – que eu particularmente considero uma obra prima do universo independente brasileiro – na segunda-feira (14/03) SLSD lançou o álbum “Vira-Lata”.

Conversei com o Gabriel Franco, nada mais nada menos que o idealizador-compositor-produtor-onemanband desse projeto f*da que é o SLSD.

“Vira-lata” foi lançado de maneira independente, produzido inteiramente por Gabriel em seu home estúdio, localizado na cidade de Mafra no interior do estado de Santa Catarina.

Ouça “Vira-lata” no Spotify

Gabriel Franco – crédito: Renata Manso

Confira abaixo a entrevista:

Grisa: O álbum tem traços dream pop bem marcados (traços estes que você trouxe desde o EP “Olhos Abertos, Bocas Fechadas” de 2017), mas além disso senti influências de outros estilos e melodias/construções “mais felizes”, mais coloridas/abertas talvez… Eu gostaria de saber quais foram as suas maiores influências durante estes últimos anos e de que maneira você sentiu que elas moldaram seu estilo de composição culminando no álbum “Vira-Lata”.

Gabriel: Então, o lance do dream pop pra mim é algo muito estranho, diria até que conheço muito pouco sobre o estilo. E mesmo assim minhas músicas acabam sendo rotuladas como dream pop, acredito que seja pelo reverb e delay para mascarar alguns erros que toda gravação caseira tem. Mas realmente acho legal esse lance do dream pop, é como se fosse uma casa onde me sinto seguro para novos experimentos.
O lance da felicidade nas canções foi uma mudança pessoal que virou musical, na época que lancei o primeiro EP em 2017, eu era uma pessoa muito revoltada e triste, e aos poucos fui buscando ser mais alegre, cultivar o amor próprio, etc…
Artistas que foram marcantes pra mim depois do EP de 2017 foram L’esec, Grace Jones, Q-Tip, Mac Ayres, Magary Lord, Steve Spacek.


Grisa: Como foi o momento em que você decidiu se lançar na música? Conta um pouco pra gente da sua trajetória.

Gabriel: Minha história na música é bem longa. Meu pai sempre foi de tocar violão por hobby, então sempre tinha um violão no sofá à disposição. Então eu aprendi alguns acordes básicos em uma revista de cifras, isso quando eu tinha uns 10 anos de idade. Desde então eu lentamente mergulhei na música. Aos 14 anos comecei a trabalhar para comprar uma bateria e junto com meu irmão montamos algumas bandas autorais e covers. Mas era algo muito superficial. Desde então foram várias experiências sonoras, creio que antes de eu criar a “SLSD”, devo ter gravado uns 3 álbuns aleatórios que devem estar no myspace, palco mp3 e youtube. Meu irmão era vocalista da “Não ao Futebol Moderno”, aí em um show em 2016 eu fui chamado pra cantar uma música deles, e quando eu senti aquela energia de estar no palco e ver todo mundo curtindo e dançando, aquilo virou a chave em mim, e na hora eu pensei “cara, é isso que quero fazer da vida”. Então em 2017 eu que estava já uns 2 anos sem produzir nada, resolvi compor músicas com uma identidade dream pop, aí nasceu “Olhos Abertos Bocas Fechadas”. Lancei pela gravadora Umbaduba Records, e no mesmo ano devido a alguns problemas veio a fechar, então fiquei sem fazer shows e acabei meio que me desconectando da música novamente, aí fiquei uns 3 anos em hiato comigo mesmo. Até que um certo dia comecei a perceber que eu estava deixando o que mais gostava em minha vida de lado e isso estava me fazendo muito mal. Percebi que as pessoas ainda ouviam minhas músicas e perguntavam se eu iria voltar a fazer coisas novas, isso novamente me fez virar a chave e voltar de uma maneira mais leve, sem muitas expectativas em um período pós-pandêmico, e com uma carga de experiência de vida maior voltei a escrever coisas novas e com uma influência musical bem mais diversificada, porque nesse meio tempo fui morar em Salvador e conheci muita cultura nova que mexeu comigo e me fez pensar em novas possibilidades.


Grisa: Sobre as faixas do álbum, você tem alguma preferida? Qual foi a que mais te marcou?

Gabriel: Minha faixa preferida é “Calminha Aí”, porque foi engraçado como ela apareceu no álbum, essa música foi feita em 2016, eu só gravei um esboço e esqueci em algum pendrive junto com muitas outras faixas que nunca foram concluídas. Aí em um certo dia fui levar meu pc pro conserto e esbarrei nessa pasta com umas 15 músicas antigas que eu nem lembrava mais da existência, e essa foi a que mais curti e resolvi trazer ela pro álbum, dei uma sofisticada nela, quis deixar mais dançante, mudei praticamente tudo nela.


Grisa: Qual faixa foi a “sentimentalmente mais difícil” de assumir na sua opinião?

Gabriel: Sem sombra de dúvidas foi sombra humana, é uma música que retrata a dor de todo ser humano.

“A cada dia que passa a sombra se aproxima do seu corpo. Você precisa de luz em sua vida, antes que a sombra abrace o seu corpo.”

Grisa: Você gostaria de comentar um pouco sobre os sentimentos que você explorou na faixa “Cães e Gatos”?

Gabriel: Essa letra veio de um olhar filosófico sobre a sociedade contemporânea, domada por redes sociais e consumismo que tira de nós a selvageria e o poder da autonomia em todos os rumos da vida, comparando a domesticação dos cães e gatos

Gabriel Franco – crédito: Renata Manso

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Grisa: Quais são suas inspirações e o que mais te fascina a compor?

Gabriel: Tudo o que ouço serve de inspiração, sempre tento ampliar meu leque musical para nunca cair em algo muito sólido. O meu fascínio é algo engraçado, porque nunca começo uma música com alguma ideia formada, tanto sobre letra, quanto sobre o ritmo. Então criar algo do nada e lapidar até se tornar uma obra pronta é o que me fascina.


Grisa: Quais são os artistas que mais te influenciaram na sua obra como um todo e os que você mais tem escutado?

Gabriel: A lista é grande, vou tentar encurtar um pouco. Magary Lord, Davi Moraes, Grace Jones, Chitãozinho e Xororó, L’esec, Hiroshi Sato, Emílio Santiago, Marisa Monte, Kamaal Williams, Robson Nascimento, Daniel Johns.


Grisa: Sobre o nome do álbum, como você chegou até ele e o porquê da escolha?

Gabriel: O nome vira-lata tem vários significados pra mim, vou numerá-los para facilitar a leitura:
1 – geralmente são seres que sofrem desde o nascimento, tem traumas de infância, não são mimados até acharem um lar.
2 – se encaixa perfeitamente com a minha vida pessoal e inevitavelmente com minha forma de fazer música (em casa, com instrumentos limitados e pouquíssima estrutura).
3 – a escolha veio bem no final do processo de composição, quando um cachorro abandonado que eu estava cuidando temporariamente foi atropelado e infelizmente eu não estava em casa quando isso ocorreu e quem atropelou não prestou socorro então ele veio a óbito, em um mês criei muito apego a ele e ele a mim, a dor foi tão grande que a única forma que tive de estancar a dor foi compondo a canção vira-lata.


Grisa: E sobre a capa do álbum?

Gabriel: Essa arte do “Vira-Lata” foi desenvolvida pelo Lucas Samdoval, a.k.a @shoagaze, foi uma extensão do quadrinho que ele está por lançar (recomendo acompanhar os trabalhos dele) e eu deixei ele totalmente livre pra fazer a arte, veio tudo da cabeça criativa dele.

Capa do álbum “Vira-lata” por Lucas Samdoval – siga: @shoagaze

Grisa: Você gostaria de contar um pouco pra gente sobre os seus próximos planos (ou lançamentos), spoilers são bem vindos hehe

Gabriel: Esse ano vou estar focado em trabalhar com mais pessoas em um novo pseudônimo. E também fazer alguns shows desse novo álbum.


Grisa: Sinta-se livre para finalizar com suas últimas considerações!

Gabriel: Termino aqui agradecendo imensamente pelo espaço concedido, foi muito gostoso viajar no tempo para responder essas questões. Não sou muito bom em palavras então vou deixar uma frase muito marcante pra mim de um filósofo da atualidade:
“Um pecador que se sabe pecador é infinitamente mais confiável do que uma pessoa que se acha do bem.” Pondé


Ficha Técnica – “Vira-lata”
Produzido por Gabriel Franco a.k.a Gab Frank
Gravado por Gabriel Franco no Estúdio SLSD – Mafra
Mixado por Gabriel Franco
Masterizado por Gabriel Franco
Todas as letras compostas por Gabriel Franco
Arte do álbum por Shoagaze

Giovana Ribeiro Santos

Giovana Ribeiro Santos

Giovana Ribeiro Santos (@grisaagrisa) tem 23 anos, é compositora, produtora, multi-instrumentista e luthier eletrônica. Engenheira mecânica pela Unicamp e mestre em Engenharia Acústica pela Le Mans Université (França), trabalhou como pesquisadora em acústica musical na Philharmonie de Paris e na Universidade de Edimburgo. Obcecada ao extremo pelo universo infinito que existe na intersecção entre a tecnologia e a arte, atualmente tem focado na criação de instrumentos musicais "não-convencionais" analógicos e digitais, com os quais produz músicas em seu projeto "Grisa".