Disco da semana – Uma das últimas joias do quarteto fantástico
Gravado em 1965, fora do estúdio de Rudy Van Gelder, e lançado apenas 4 anos após o falecimento de Coltrane, Sun Ship é um disco que acabou não ganhando tanto prestígio quanto outras obras do saxofonista, mas não deixa de ser um de seus mais poderosos trabalhos.
Explosivo, intenso, destruidor e ao, mesmo tempo, sublime. São alguns dos adjetivos que me vieram à mente ao tentar expressar o que senti ao ouvir Sun Ship – um dos discos pouco falados da enorme discografia de um dos mais prolíficos e icônicos instrumentistas e compositores da história, não só do jazz, mas de toda a música.
O LP, lançado em 1971, é uma das últimas sessões gravadas pelo quarteto clássico de Coltrane – mesma formação do cultuado A Love Supreme – que incluia o pianista McCoy Tyner (que sairia do conjunto no final de 1965, para formar seu próprio trio), o baixista Jimmy Garrison, e o lendário baterista Elvin Jones (que partiria um ano depois para tocar na banda de Duke Ellington). John Coltrane toca Sax tenor, apesar de, na foto da capa, estar tocando sax soprano.
Meses após a gravação de A Love Supreme e muito influenciado pelo free-jazz do proeminente saxofonista Albert Ayler, John Coltrane seguiria até o final de sua vida em busca de sons mais experimentais. Foi nesse contexto de exploração que o quarteto deu a luz a Sun Ship, que marcou um ponto essencial em sua fase de “transmutação” sonora e de quebra de paradigmas em sua própria musicalidade, passando de um período de investigação e aperfeiçoamentos técnicos para outro de pura liberdade de expressão artística intuitiva e espiritual.
Gravado após quatro anos de ensaio, o entrosamento do quarteto nesse disco é quase transcendental, trazendo um meio termo entre o mais experimental free-jazz que se ouve em seu LP Ascension (gravado apenas 2 meses antes) e alguns trejeitos rítmicos similares aos presentes em A Love Supreme. O disco consiste em 5 faixas:
“Sun Ship“: Abre o disco numa potência sônica absolutamente destruidora que já coloca o ouvinte totalmente a par do que está por vir. Coltrane começa com frases em stacatto, que subitamente dão lugar a uma intensa improvisação rítmica de deixar o queixo no chão. Todos os músicos solando num caos assustadoramente organizado. Elvin Jones toca alguns segundos de uma veloz levada be-bop, que logo se dissolve em monstruosas viradas estendidas ao longo da música. Esta subitamente se encerra ao forte toque de seu prato de condução.
“Dearly Beloved”: “- Ready?” – Diz John Coltrane logo antes do início da fantástica “balada” viajante, onde o saxofonista produz assimétricas ondas em seu instrumento. Tyner surfa pelo piano com improvisações rápidas e Garrison desliza pelo baixo de acordo com os tempos fortes que Elvin toca com agressiva sintonia em seu kit ostentando baquetas timpani.
“Amen“: o Be-bop veloz que Elvin Jones havia ensaiado por alguns segundos na faixa título toma forma mais intensamente, numa música que cresce progressivamente, começando com uma quase esotérica aula de dinâmica entre a parte rítmica, que toca sem Coltrane por quase 4 minutos, até sua absolutamente triunfal entrada, quando a música entra num momento de monumental catarse. É o clímax do disco.
“Attaining“: A intensidade arrebatadora do êxtase gerado por “Amen”, dá espaço para a faixa onde o quarteto continua sua mística apresentação instrumental como se iniciasse a descida do cume de uma colossal montanha
“Ascent“: Na música de 10 minutos que encerra o álbum, Garrison começa com um solo de baixo de 5 minutos seguido da entrada assimétrica da bateria de Elvin e logo do resto da banda, que gradativamente se esvai, deixando apenas Garrison para encerrar o disco sozinho, com o acorde de baixo que encerra o LP.
Esse álbum é uma sublime comunhão de dimensões quase esotéricas e dinâmica perfeita entre músicos virtuosos, que alcança momentos catárticos de proporções incompreensíveis. É fantástico, monumental. Se Coltrane alcança o céu em A Love Supreme, aqui ele vai além. Vale dizer também que Sun Ship é um dos únicos álbuns do genial saxofonista que não foram produzidos no estúdio de Rudy Van Gelder. As razões, de acordo com as notas do relançamento em CD de 1995, ficaram “perdidas no tempo”.
Em Vinil
Lançado em LP pelo menos cinco países diferentes (incluindo o Brasil) em mais de 20 versões, no ano de 2013 chegou às lojas uma edição especial do álbum, em vinil triplo, batizada de The Complete Sun Ship Session. Com tiragem limitada de 3.500 cópias e incluindo encarte exclusivo com textos e fotos, o disco lançado pela Mosaic Records nos Estados Unidos trouxe, além das versões originais, takes alternativos (incluindo alguns incompletos) das gravações e registro dos músicos conversando no estúdio, totalizando 20 faixas. No Discogs, seu preço médio é de R$1.507,99 e o valor mais alto em que uma cópia já foi vendida é de R$1.679,54.
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