Você coleciona música ou hype?
No Brasil de 2020, no ápice da pandemia mundial do COVID-19, temos agora três empresas nadando contra a correnteza e lançando discos de vinil em edições limitadas mensalmente. Embora existam comparações entre as três, o modo de trabalho e principalmente a curadoria são diferentes e, no fim das contas, acabam sendo complementares para quem pode desembolsar mais de R$250 mensais para assinar os clubes.
Ninguém é perfeito. Enquanto a revista Noize “atira para tudo quanto é lado”, com uma curadoria um tanto quanto confusa – em um mês lançam Raul Seixas, no mês seguinte lançam Duda Beat -, a Três Selos não tem vergonha em assumir o coleguismo e beneficiar os artistas preferidos dos donos do selo – até o presente momento, a Três Selos já lançou 14 discos de vinil da banda Metá Metá (que eu particularmente amo, mas poderiam dar oportunidade para outras pessoas). A Vinil Brasil ainda está em seu segundo volume, lançou um álbum da Banda Black Rio e outro do Mundo Livre S/A.
Perdoados os defeitos de cada empresa, é bom lembrar que os pontos positivos falam muito mais alto. A Três Selos conta com prensagens de luxo, com vinil 180g, capa dura, pôster e OBI, enquanto o som é masterizado por um profissional especializado. já a revista Noize está há anos no mercado alimentando colecionadores que há muito estavam desamparados, além de contar com um valor muito acessível. A Vinil Brasil conta com os profissionais de uma fábrica que entrega LPs de qualidade excelente para o mercado e no preço da mensalidade estão inclusos frete e descontos exclusivos na loja da marca, que agora também é selo.
Decidi escrever esse artigo após o anúncio da edição 39º do Noize Record Club – uma reedição do disco “Marku” (1983), do cantor mineiro Marku Ribas. Cambistas e vendedores abusivos já cogitavam vender o disco (que ainda estava disponível para venda no site da empresa mediante assinatura no momento da elaboração desse texto) por R$500 mediante a entrega dos kits em outubro. Hoje, três meses depois, usuários do Discogs anunciam o disco por até R$590.
Enquanto colecionadores se interessam em colecionar apenas raridades (e não discos), os cambistas trabalham de modo a agregar valor para todo lançamento dos clubes, se valendo do rótulo “edição limitada”. É basicamente um abuso consentido.
Mas nem sempre os cambistas conseguem especular altos valores para discos das revistas e, devido à baixa procura, alguns lançamentos excelentes acabam caindo no limbo. É o caso de “Azul Moderno” de Luiza Lian (revista Noize, 2018) e “Longe de Onde” de Karina Buhr (Três Selos, 2020). Dois discos excelentes e completamente acima da média mas que, como ainda não foram vendidos acima de R$400, passam despercebidos pelos olhos dos colecionadores de hype.
Entre os colecionadores de hype, conta-se nos dedos aqueles que não desejam um exemplar de “Letrux Em Noite De Climão” (2018), edição esgotadíssima e que caminha para o valor de R$1000 em breve. Entretanto, a grande maioria não consegue sustentar uma conversa sobre o disco, não conhece as faixas e não segue o trabalho da cantora.
A mesma coisa com “Ascensão“, de Serena Assumpção (Três Selos, 2019). Todos querem uma cópia, mas poucos sabem – pasmem – que, por exemplo, Serena Assumpção já faleceu há meia década ou, além disso, que a artista mal cantou no disco. Ou que a cantora é irmã da excelente Anelis Assumpção, ou o fato de que o disco demorou 6 anos para ser gravado, etc, etc, etc, etc, etc, etc.
Enfim, o desejo de obter um exemplar é baseado puramente em status e hype, e não na admiração da música desses dois (e de tantos outros) discos plurais e históricos da nova música brasileira. E vocês podem me perguntar – o que eu tenho a ver com os critérios de colecionismo de alguém? Bom, eu também sou colecionador e muitas vezes sou afetado pela especulação mútua de cambistas e colecionadores de hype.
Eu coleciono música. E você? Melhorem.
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