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YoutubePedia: LP 1973 – Beto Guedes, Danilo Caymmi, Novelli, Toninho Horta

Hoje o Disconversa tem o prazer de apresentar uma nova coluna no site: o YoutubePedia. Aqui vamos reunir obras, entrevistas, raridades e todo o tipo de conteúdo musical disponível apenas no Youtube! E não só isso, você vai entender um pouco mais sobre o assunto tratado a cada novo texto, então vem com a gente garimpar essas preciosidades!

Para a estreia, nada melhor do que falar de um importante (e talvez muito subestimado) disco da música brasileira e que “deu início” às carreiras de nada mais nada menos que os seguintes artistas: Beto Guedes, Danilo Caymmi, Novelli e Toninho Horta.

O LP 1973, que é chamado por alguns dessa forma, reúne faixas memoráveis e misturas artísticas muito bem encaixadas, é até surreal que ele não tenha recebido a atenção devida no lançamento.

Tudo fica ainda mais grandioso quando lembramos que um ano antes saiu o cultuado Clube da Esquina (1972), que serviu como uma grande inspiração e pôde ter no LP do ano seguinte uma “expansão” da sua obra.

Antes de entrar no disco em si, é preciso voltar alguns anos e entender o um pouco o contexto no Brasil: ditadura militar brasileira, músicos vindo de muitos lugares para estados como RJ e SP e diversas comunidades hippies se formando como resistência daquele tempo.

No eixo Rio-São Paulo, inclusive, aconteciam os Festivais da Canção, evento que proporcionava o encontro desses artistas. Além dos Festivais, o quarteto vivia se esbarrando em outras reuniões musicais da época.

O encontro

O livro “1973 – o ano que reinventou a MPB” conta um pouco da trajetória dos músicos até o momento da gravação do disco.

Segundo a obra, a união desse quarteto se deu, também, através de trabalhos de outros artistas, que, coincidentemente, contratavam Beto, Danilo, Novelli ou Horta como músicos de estúdio, devido aos instrumentistas excepcionais que eram.

Algumas coincidências parecem mostrar que esse encontro precisava acontecer em algum momento: a primeira composição de Danilo, “De brincadeira”, foi uma das faixas do disco Mario Castro Neves & Samba S.A. (1967), grupo que tinha Novelli como baixista.

Anos mais tarde, em 1971, o próprio Novelli, ao lado de Toninho, foi um dos membros do grupo “A Tribo”, que gravou um compacto com a faixa “Caqui”, composta por… Danilo Caymmi!

Em 1972, Beto Guedes e Toninho Horta gravaram Clube da Esquina e, acrescentando Novelli no baixo, também foram músicos no “disco do tênis” **de Lô Borges. Só dois dos maiores trabalhos já feitos na história da música brasileira.

Apesar de todos esses momentos, é notável que o grande responsável pelo encontro do quarteto foi o grupo “A Tribo”, que contava com Naná Vasconcelos, Nelson Angelo, Joyce Moreno, Novelli e Toninho Horta. Isso porque dois integrantes do grupo uniram os quatro músicos em outro grande disco da música brasileira: Nelson Angelo e Joyce (1972).

Podemos dizer que foi desse encontro que nasceu a ideia de gravar o memorável LP 1973.

Capa do LP Nelson Angelo e Joyce (1972) / Créditos: Carlos Filho

O disco

Como diversas histórias musicais da época, o LP 1973 não foi todo planejado e alinhado – como fazem muitos artistas atualmente.

O próprio Danilo conta, em entrevista para o Jornal “O Povo”, que o disco foi gravado em uma madrugada:

“Esse disco foi gravado numa noite só. Só o Beto Guedes que demorou mais um pouco. Mas nós gravamos numa madrugada toda. É o que tinha e a única maneira de fazer um disco da gente. Foi o primeiro. Era a oportunidade de se fazer um disco na Odeon”.

A Odeon era um dos selos da EMI, uma das maiores gravadoras da época no Brasil e no mundo. A Eletric and Musical Industries lançou nada mais menos que artistas como The Beatles, Pixies, Queen, Pink Floyd, The Beach Boys entre muitos outros.

Ronaldo Bastos, que trabalhava na Odeon, ficou encantado com os músicos nas gravações de Nelson Angelo e Joyce (1972), mas não era possível gravar um disco com cada separadamente. Assim, foi sugerido um LP dividido entre os quatro.

Por isso, é compreensivo todo o corre feito para esse lançamento se tornar uma realidade.

Ter a estrutura de uma EMI foi fundamental, já que na época as gravações eram feitas praticamente ao vivo e com poucos canais disponíveis.

Todos os artistas lembravam do competente trabalho de Toninho, Dacy e Nivaldo, e é possível notar essa qualidade sonora mesmo quando comparamos o LP 1973 com gravações mais recentes.

Toninho Horta e Novelli / Créditos: Toninho Horta

A então divisão do setlist ficou da seguinte forma:

  1. Caso Você Queira Saber – Beto Guedes
  2. Meu Canário Vizinho Azul – Toninho Horta
  3. Viva Eu! – Novelli
  4. Belo Horror – Beto Guedes
  5. Ponta Negra – Danilo Caymmi
  6. Meio A meio – Novelli
  7. Manuel, O Audaz – Toninho Horta
  8. Luiza – Novelli
  9. Serra do Mar – Danilo Caymmi

Apesar de cada um assinar sua canção e suas identidades serem bem perceptíveis, outros renomados artistas estão presentes no disco, como Lô Borges, Nelson Ângelo e Tenorio Jr. Nana Caymmi, irmã de Danilo, canta “Ponta Negra”.

As flautas de Danilo, a voz característica de Beto e as guitarras virtuosas de Toninho Horta são elementos que chamam a atenção em todo o disco, mas o que também é notável – e fabuloso – é como músicas tão diferentes conseguem se complementar tão bem.

“Meu Canário Azul”, a segunda canção, conta com a doce voz de Lena, em dueto com Toninho. O disco é aberto com “Caso Você Queira Saber”, de Beto, que é uma canção mais “direta ao ponto”, em que a primeira frase cantada aparece logo aos 2 segundos de música.

Nas composições de Danilo Caymmi é notável a referência à bossa nova, muito por causa de seus trabalhos com Tom Jobim, e me parece que a melhor escolha possível foi encerrar o disco com “Serra do Mar”.

Enquanto isso, a música nº 4, “Belo Horror”, é um rock progressivo de Guedes e sua turma, músicos que eram conhecidos como “Fio da Navalha” em BH. Além de Beto, Flávio Venturini, José Geraldo e Lô Borges figuram nessa faixa.

Confesso que na primeira vez que ouvi fiquei um pouco assustado, mas com o tempo foi se tornando a minha favorita do álbum!

“Viva Eu” é outra faixa que ouço no repeat. Novelli parece mostrar todas as suas influências nessa canção, que ainda conta com a parceria de Wagner Tiso, o pianista que sempre acompanhou Milton Nascimento.

Novelli, inclusive, é o polivalente do quarteto no disco: toca contrabaixo, bateria, percussão, piano e ainda canta.

Essa viagem no “fazer música” de cada um desses quatro é um dos grandes charmes do disco. Mesmo parecendo que essas misturas não podem se conversar em um álbum, o LP 1973 faz isso acontecer de um jeito mágico.

A foto

Na maior parte dos discos, a capa é o que mais chama a atenção visualmente, porém no caso do LP 1973 isso é o contrário. Os nomes dos quatro pichado na parede amarela parece minimalista e simples, mas a foto de contracapa tem uma história que retrata como eram os encontros da época.

Em uma pausa durante a maratona de gravações, os quatro estavam juntos no banheiro da gravadora, até que Cafi e Ronaldo Bastos se deram conta disso. Foi assim que nasceu o famoso retrato dos quatro reunidos no minúsculo espaço com a tampa do vaso sanitário aberta.

Para alguns a ideia foi super criativa e para outros de péssimo gosto. O fato é que a foto ficou mais famosa que a própria capa e, até hoje, é a referência visual do disco.

A famosa contracapa do LP 1973 / Créditos: Ronaldo Bastos e Carlos Filho

Os direitos autorais

Logo que ouvi “Serra do Mar” pela primeira vez, fui correndo buscar a música no Spotify e… ela não estava lá – pelo menos não a de Danilo Caymmi. E, até a data de publicação desse texto, nem o LP 1973 está nas plataformas de streaming mais convencionais, sendo possível encontrá-lo apenas no Youtube, e em canais não oficiais.

Mas por que raios um disco tão deslumbrante, com nomes tão conhecidos, não está disponível em todos os lugares da internet?

Não há uma explicação concreta, mas podemos tirar algumas conclusões.

Assim que saiu, o LP 1973 não teve atenção na divulgação e a gravadora sequer pensou em um show de lançamento. Esse é um caso “comum” daquele tempo, já que outros grandes discos foram ignorados na época, seja por perderem espaço para trabalhos mais populares ou por estarem muito à frente do seu tempo.

Clube da Esquina, Arthur Verocai, o disco do Tênis e Nelson Angelo e Joyce (todos de 1972) são alguns desses discos.

Por isso, o vinil desses trabalhos, atualmente, são considerados raridades e vendidos por um valor extremamente alto na internet. Esse pode ser um dos pontos pela “falta de interesse” em digitalizar e disponibilizar o LP 1973 de uma forma oficial.

Ao que tudo indica, os direitos pertencem à Universal Music Group, que comprou a EMI em 2011. A empresa nunca sinalizou para um lançamento digital e isso não deve acontecer por agora, já que o vinil voltou a ser mais popular no Brasil.

Uma das performance no grupo “A Tribo” / Foto: Acervo Pessoal de Joyce Moreno

O depois

É compreensível, em centro ponto, entender que o LP 1973 foi mais uma “coletânea” do que o primeiro passo musical de Beto Guedes, Danilo Caymmi, Novelli e Toninho Horta. Até porque, nessa altura, os músicos já haviam passado por outras experiências de grandes trabalhos.

Mas não consigo concordar com essa afirmação ao comparar o LP 1973 com trabalhos célebres de cada um deles e perceber as referências ao primeiro disco.

Além disso, a união desses quatro deu vida a algo que não foi repetido em suas carreiras solo – sem entrar no mérito de melhor ou pior, apenas diferente.

Mas todas essas impressões são apenas tentativas nulas de tornar objetivo o sentimento que um disco, que um trabalho em conjunto ou até a mistura de quatro mentes tão diferentes, mas igualmente geniais, podem proporcionar.

Acredito que esses fenômenos – de encontros musicais inusitados – sejam até impossíveis de se repetirem, o que torna o momento do instante, o contexto da época e até suas limitações elementos principais nessas histórias.

O LP 1973, assim como outros discos da época, tem histórias marcantes, o que nos aproxima um pouco dos processos de produção, dos encontros e do “fazer música” da época.

Mas é somente ao ouvir esses trabalhos que podemos compreender toda a sua complexidade. Ao mesmo tempo que descobrimos que, talvez, são esses encontros diferentes e não planejados despertam os mais desconhecidos sentimentos em nós.

E ainda bem que Beto, Danilo, Novelli e Toninho se encontraram um dia e traduziram isso em música.


Para conhecer mais:

Entrevista Danilo Caymmi para o jornal “O Povo” – https://www.opovo.com.br/jornal/paginasazuis/2017/09/entrevista-na-integra-com-danilo-caymmi.html

Livro “1973 – O ano que reinventou a MPB” – https://www.amazon.com.br/dp/B00L3BG6T4/ref=dp-kindle-redirect?_encoding=UTF8&btkr=1

Pelo olhar de Cafi: o processo criativo das capas de discos da Geração Clube da Esquina (Tese) – https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/27670

Jônatas Marques

Jônatas Marques

Jow (@heyyjow) é quase músico, quase jornalista e quase analista de sistema. Ele tenta unir essas 3 meias profissões fazendo um som na Espacialrias (@espacialrias) e no Projeto Casulo (@casu.l0), prestando assessoria para artistas independentes e paga as contas trabalhando com TI e jornalismo. Jow vê na música e na arte uma forma de respiro no meio do sistema destrutivo que vivemos, por isso dedica seu tempo em falar sobre seus artistas favoritos aqui no Disconversa.

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