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Disco da semana – Velvet Underground da vanguarda ao pop

Creditado como a obra mais comercial do Velvet Underground, Loaded é considerado maldito por muitos e exaltado por outros. O LP acabou marcando o processo do fim da banda, uma vez que foi gravado sem a baterista Maureen Tucker e resultou na saída de Lou Reed semanas antes de seu lançamento.

“Carregado” (ou, em inglês, “Loaded”) de hits. Era assim que a gravadora Atlantic queria o quarto álbum de estúdio da folclórica banda Nova iorquina Velvet Undergound. Pouco antes, Steve Sesnick – então empresário do grupo após o rompimento com Andy Warhol, em 1967 – quebrara o contrato com a MGM Records, que havia mudado de direção. A banda também mudaria, sonoramente, algumas de suas direções. O dono da empresa, Ahmed Ertegun fez o pedido: Nada de sexo ou drogas nas letras, e apenas músicas de qualidade radiofônica. É daí que o disco ganha seu nome irônico.

Durante o processo de concepção do álbum, o Velvet Underground ainda não era uma banda muito popular. O baixista Doug Yule dormia no sofá do apartamento de Sesnick, e Lou, sem dinheiro o suficiente para o transporte, levava seu grande amplificador Fender num carrinho de mão pelas calçadas de Manhattan. Isso pinta um pouco o estado das finanças da banda na época.

Sterling Morrison, Lou Reed, Maureen Tucker e Doug Yule – O Velvet Underground em 1970

A pré-produção do disco se baseou principalmente em pequenos shows. Em uma dessas ocasiões, durante uma apresentação na Philadelphia, um inveterado fã chamado Bob Kachnycz estava presente, e alguns detalhes chamaram sua atenção. Na plateia havia apenas 15 pessoas, e, no palco, apenas três integrantes – Lou, Sterling Morrison (guitarrista) e Yule. A baterista Maureen Tucker estava grávida e não pôde participar das performances, tanto ao vivo quanto em estúdio. Apesar de constar seu nome na ficha técnica do LP, se revezaram nas baquetas o próprio Yule, Adrian Barber – guitarrista do grupo de liverpool The Big Three – o músico de estúdio nova iorquino Tommy Castanaro, e o irmão mais novo de Yule, Billy.

Doug Yule, que substituiu John Cale no baixo e nas teclas em 1968, e já teve papel importante no disco anterior (The Velvet Underground, 1969) assumindo o vocal principal em “Candy Says”, se torna ainda mais proeminente no Loaded, cantando quatro faixas, além de tocar órgão, baixo, violão, guitarra e piano ao longo do álbum. A partir de sua chegada, a banda passa a aderir à uma sonoridade mais suave em relação aos dois primeiros discos, abandonando o visceral experimentalismo presente em músicas como “European Son” (Velvet Underground and Nico, 1967) ou “I Heard Her Call My Name” (White Light/White Heat, 1968). 

Apesar do LP ser considerado o mais comercialmente apelativo em função das demandas da Atlantic, o pop já estava presente em seu antecessor, mesmo que em dimensões um pouco menores. A ausência de Maureen na bateria também foi um importante fator resultante na mudança de sonoridade da banda. A entrada de músicos de estúdio de técnica mais apurada fez com que o disco soasse mais dinâmico, alterando os paradigmas rítmicos característicos do grupo nos LPs anteriores.

Loaded, faixa por faixa:

Lançado em setembro de 1970 pela Cottilion Records, subsidiaria da Atlantic, o LP consiste em 10 faixas: 

Who Loves the Sun: Música que poderia ter vindo de 1966 ou 1967, de alguma banda como o Mamas and the Papas ou os Beach Boys. Mesmo assim, a encantadora canção que abre o disco não perde a essência do Velvet. O vocal principal é de Yule.

Sweet Jane: A colorida intro pop de 16 segundos abre caminho para um dos mais icônicos riffs da história do Rock. Esse “Proto-Glam” ainda foi regravado pelo Mott The Hoople no LP “All the Young Dudes”, de 1972.

Rock & Roll: Uma das canções que melhor exaltam as qualidades transformadoras da música, tanto sonoramente, quanto liricamente. Poderosa e catártica, a clássica faixa autobiográfica de Lou fala, em terceira pessoa, sobre a experiência libertadora de Jenny ao ouvir o Rock N Roll na radio pela primeira vez. A faixa foi regravada pelas Runaways, e, mais recentemente, por Alice Cooper.

Cool it Down: Mais um precioso proto-glam, dessa vez contando com uma levada mais lenta e sincopada. 

New Age: A suave voz de Yule canta os sensíveis versos de autoria de Lou, numa faixa dinâmica com crescentes que chegam ao auge no fim da faixa, passando por uma marcação suave da bateria em convergência ao também leve piano, que constantemente mudam de dinâmica até a catarse final, quando Yule seguidamente entona: “It’s the beggining of a new age”. A letra relativiza a definição de sucesso, contando a história de uma atriz esquecida.

Head Held High e Lonesome Cowboy Bill: Dois rocks simples e diretos de roupagens semelhantes, no maior estilo Rolling Stones, o segundo, com um leve tempero de música country.

Train Round the Bend: Possivelmente a música menos radiofônica do LP, o choro obscuro da guitarra e o vocal de Lou lembram os tempos mais primais e viscerais da banda.

I Found a Reason: Contemplativa e cândida balada com as harmonizações mais doces do álbum, contando ainda com um poético monologo carregado por melódicos vocais que remetem aos gloriosos dias de doo-wop, numa síntese que só poderia vir da mente de Lou Reed.

Oh! Sweet Nuthin’: Mais uma balada cantada por Yule, dessa vez épica, com uma outro que se estende dos quatro minutos e vinte até os sete e meio que encerram essa formidável e agridoce canção de instrumental inspirador, e letra que, através de diferentes alusões, trova em homenagem àqueles que não tem nada.

O Pós-Loaded

Em 23 de agosto de 1970, no último show da residência da banda no Max’s Kansas City – espécie de inferninho da cena musical em Nova Iorque – Maureen foi assisti-los. Lou lhe disse que estava de partida. Não havia contado ao resto da banda. Quem acabou por dar a notícia foi Sesnick. Reed retornou a Long Island para morar com seus pais, e só apareceu ao final do ano seguinte, quando voltou a ativa para gravar seu primeiro álbum solo, lançado em abril de 1972.

Com a saída do compositor antes mesmo do lançamento do LP, o empresário colocou Yule nos créditos de todas as canções, para tentar maximizar o papel do jovem no trabalho. Sesnick acabou tomando conta da banda, e mesmo com a saída de Lou e Sterling, o novo grupo, capitaneado por Yule, lançaria mais um álbum (Squeeze, 1973) e faria uma turnê de lançamento na Europa ainda sob o nome de Velvet Underground.

Em edição especial do álbum, foi inclusa a faixa bônus “Into The Sun“, um studio outtake. A canção havia sido gravada mas acabou não entrando no disco, o que é uma pena. Sua poesia absorta consegue condensar perfeitamente os sentimentos de se viver numa grande metrópole. A música foi regravada e está presente no disco homônimo de Lou, porém com aspectos bem diferentes. A versão do Loaded, pode ser ouvida nas plataformas de streaming.

Dentre o espectro dos que maldizem e os que exaltam, eu me encontro no segundo. Loaded é um disco que tinha tudo para dar errado, afinal, se tratava de uma banda que sempre teve sua aura vanguardista intacta, e se mudava para uma gravadora que exigia canções radiofônicas, além de um empresário manipulador e inimizades entre Lou e Sterling – que ocorriam desde a saída de John Cale da banda. No fim, deu certo, e muito. Não só pela exímia e vitalícia capacidade de composição de Lou Reed, mas também pelo fato de que, apesar da mentalidade e da proposta, o Velvet Underground não perdeu sua identidade no processo.

Em Vinil

Parte da discografia de uma das bandas mais cultuadas do rock norte-americano, Loaded foi lançado em diversos países ao longo de seus 50 anos de história. Fazem parte da lista países de diversos continentes, como África do Sul, Japão, Grécia e Escandinávia. Uma cópia de seu original, lançado nos Estados Unidos em 1970, tem preço médio de R$504 e já chegou a ser vendido por R$813 no Discogs.

Em 2016 a Rhino Records fabricou uma edição especial do álbum, em vinil amarelo, que acompanha um flexi disc (tipo de vinil feito de material muito fino e flexível, que pode ser dobrado) com uma versão demo de “Rock & Roll“. A edição foi feita de forma limitada pela Newbury Comics e teve 100 cópias prensadas. Seu preço médio é de R$258.

Outro lançamento recente em vinil relacionado ao a Loaded foi o Alternate Album, lançado de forma não oficial e também com tiragem limitada. O LP conta com gravações de ensaios e demos feitas em Nova Iorque no ano de 1970. Duas cópias estão sendo vendidas no Discogs com preço médio de R$230.

Eduardo Raddi

Eduardo Raddi

Eduardo Raddi tem 24 anos, é acadêmico de Jornalismo, baterista d'O Grito, amante das artes, e um de seus maiores prazeres na vida é ouvir e pesquisar sobre música. De John Coltrane à Slayer, de Radiohead à Tom Zé, é a diversidade de sons que o fascina.

Um comentário sobre “Disco da semana – Velvet Underground da vanguarda ao pop

  • Três musicas deste album na versão oficial de estudio tiveram cortes nas gravações, devido ao rigor da censura na epoca (Sweet Jane, Rock ‘n’ Roll e New Age) uma edição em digital de 1987 foi lançada com a mesma mistura e saiu uma em CD duplo (Reino Unido e Europa) nos anos 1990??? 2000??? com as versões completas, sem os cortes, óbvio e tinha a versão alternativa dele que foi lançada em vinil avulso mais tarde! Todas as faixas são classicas, do começo até o final!! – marcio “osbourne” silva de almeida – joinville/sc

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