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Progressivando: Genesis -Nursery Cryme (1971)

Toque “Old King Cole” para mim para que eu possa me juntar a você… Já bem diria Cynthia em “The Musical Box”. Sim, o assunto de hoje é Nursery Crime em seus 50 anos muito bem vividos – primeiro disco do Genesis em sua formação mais célebre contando com o então novato Phil Collins comandando as baquetas e colorindo os artísticos vocais principais de Peter Gabriel, o também recém-chegado e virtuoso Steve Hackett, além da fiel e esplêndida dupla de Tony Banks nas teclas e Mike Rutherford no contrabaixo. 

Nursery Cryme, lançado pelo selo Charisma em 1971 (que discólatra progressivo nunca se deparou com o chapeleiro maluco dos selos?), é um dos grandes álbuns que completam 50 anos em 2021. Disco que causou grande impacto, a começar pela capa: arte estilo vitoriana de um jogo de críquete com cabeças decepadas no lugar das bolas, uma audácia bem sucedida com um dos esportes mais tradicionais da nobreza britânica.

Detalhe da edição austríaca do álbum, com o “famoso selo Charisma” com o Chapeleiro Maluco

Paul Whitehead é o nome responsável por materializar na capa do disco esse macabro jogo de críquete no qual Cynthia decepa Henry, personagens de “The Musical Box”. Fato curioso é que o excesso de tonalidade amarela da arte veio como um erro de impressão, mas serviu como uma luva aos propósitos da banda e foi assim que a arte de Nursery Cryme entrou para a história.

The Musical Box” é a faixa que abre o disco e se estende por mais de 10 minutos contando uma interessante história: Cynthia decepa Henry acidentalmente em um jogo de críquete. Atordoada, ela volta para casa e coloca a caixinha de música de Henry para tocar. Mas eis que a caixinha invoca o espírito do falecido em forma de um homem idoso, sexualmente frustrado por sua vida ter se encerrado na infância e preso emocionalmente em Cynthia, sem conseguir subir ou descer, sem ir nem para o céu nem para o inferno.

É nesse drama que a canção se desenrola sob a narrativa conturbada de Henry, que é perfeitamente conduzida pelos diferentes momentos e dinâmicas da composição. A faixa recebeu interpretações ao vivo com performances bem requintadas de Peter Gabriel, com introduções que se tornaram tão épicas quanto a própria música para contextualizar ao público a trama que permeava “The Musical Box”. 

Nursery Cryme é um disco pensado quase como uma coletânea de “nursery rhymes” – nossas cantigas de roda infantis – mas com um viés vitoriano nem um pouco inocente.  Nesse clima, a próxima música do disco, “For Absent Friends”, vem para fazer uma boa ambientação com “The Musical Box”, explorando como tema a partida de dois velhos amigos, em uma composição acústica de Steve Hackett, com a primeira aparição de Collins como voz principal no Genesis (o que se tornou padrão num futuro não tão longe de 1971, após a saída de Peter Gabriel da banda). 

Para fechar o lado A, guiada quase como uma marcha, entra “The Return of the Giant Hogweed” trazendo a dominação da humanidade por uma planta tóxica, em um ato de vingança, por ter sido capturada e tirada de seu habitat natural – não faltou criatividade hein, Genesis? Essa faixa é marcada pelo primeiro uso da técnica de tapping por Hackett na guitarra do Genesis – algo que continuaria a ser muito explorado nas obras seguintes. 

O Genesis em 1971 – Phil Collins, Steve Hackett, Mike Rutherford, Peter Gabriel e Tony Banks

O lado B do disco abre com “Seven Stones”, música que começa branda e melancólica contando a história de um homem idoso que vaga por aí ao acaso, conformado com as surpresas que são naturais da vida, enquanto o resto da sociedade vive apreensivo e desesperado por elas. Curiosamente, o título da música também dá nome a um dos jogos milenares mais tradicionais da Índia, que foi inclusive duramente colonizada pelo Império Britânico… Mas, rodando o disco, caímos em um outro clássico do Genesis – a animada e polemicamente humorada “Harold the Barrel”. Polêmica por se tratar da história de um homem que se vê tentado ao suicídio, humorada pela forma como mostra o olhar da sociedade sobre tanta dor como se fosse um grande circo. Aqui, o destaque vai para as vozes duplas de Phil Collins e Peter Gabriel mixadas unissonantes para o nosso deleite. O final dessa música é incrível, quando Harold se prepara para seu salto final da vida e as vozes diminuem, como se ficassem distantes, bem como o piano dando as notas finais em fade out.

Para finalizar o disco, temos “Harlequin” e “The Fountain of Salmacis”. A primeira mais calma e curta, enquanto a segunda é mais uma peça épica de oito minutos, nem um pouco suave, que explora o mito grego de Salmacis num trabalho incrível de Banks mesclando o órgão com o mellotron.

Na mitologia grega, Salmacis é tida como a única ninfa que não seguiu os passos de Diana para ser uma arqueira ou caçadora. Na verdade, foi a única a tentar estuprar alguém – Hermaphroditus. Rejeitada e desesperada pelo amor de Hermaphroditus, Salmacis o agarrou a força e pediu que os deuses os mantivessem unidos para sempre e assim ficaram na forma de uma “criatura de dois sexos”. O solo final dessa música é um dos grandes momentos de inspiração de Steve Hackett, que encera também brilhantemente o disco.

Em Nursery Cryme o Genesis foi inventivo, reunindo diversas mentes criativas em prol de um objetivo comum: expandir a música para formas além das existentes, cravando com tudo o nome da banda como uma das maiores referências do rock progressivo da história. E os álbuns que vieram dali em diante com essa formação, meus amigos, são também de tirar o fôlego!

Mantenham a boa música vida! Um bom chá da tarde enquanto vocês deliciam esta belíssima obra!

Raphaela de Oliveira

Raphaela de Oliveira

Contrabaixista mineira que escolheu a Física como profissão. Divide o tempo que resta entre o ballet clássico, os vinhos e seus preciosos vinis. É capaz de prosear horas a fio sobre sua paixão - o rock progressivo! Aceita um cafézin?

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