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Progressivando: “Embryo” e “Echoes” – Pink Floyd

O Progressivando de hoje vai bater um papo sobre duas suítes épicas da banda Pink Floyd: a aclamada “Echoes” e sua prima perdida no tempo “Embryo”. Prepara a atmosfera floydiana que iremos voltar algumas boas décadas no tempo!

Que o quarteto formado por Waters, Gilmour, Wright e Mason tinha o poder de cativar o ouvinte por longos minutos em peças icônicas como “Shine On You Crazy Diamond” e “Dogs” é inegável. A criatividade e experimentalismo do grupo transbordavam tanto que a banda conseguiu, por diversas vezes, conceber peças memoráveis e desenvolver complexas narrativas em forma de álbuns completos como em The Wall (1979). Contudo, se quisermos procurar pela semente da qual germinariam tantos frutos, precisamos voltar para 1970, precisamos voltar para um palco minimalista, sem gigantescas produções, mas com quatro mentes geniais entregando-se à música com muita paixão, tentando se encontrar em unidade após a saída de Syd Barrett.

Em 1970, Pink Floyd acabava de lançar Atom Heart Mother (que merece um Progressivando especial, né?) e iniciou uma intensa jornada de shows que duraria todo o ano. As apresentações eram sempre acompanhadas de muita improvisação, experimentação sonora, um verdadeiro fervilhar de ideias. Nesse contexto foram então desenvolvidos os temas principais e a estrutura das duas suítes “primas” do nosso Progressivando – “Echoes” e “Embryo”. Como ficou bem documentado, “Echoes” acabou por vir ao mundo ocupando o lado B inteiro do excelente Meddle (1971) e certamente foi imortalizada no especial PinkFloyd: Live at Pompeii, mas “Embryo” ficou perdida no tempo, guardada por muitos anos apenas nos corações dos fãs que acompanharam aquelas apresentações. O carinho dos fãs pela suíte perdida foi tanto que, mesmo sem nunca ter entrado oficialmente num álbum de estúdio da banda, “Embryo” saiu em diversas compilações e em diferentes versões, sendo a sua mais recente aparição no box The Early Years 1965-1972: Cre/ation  lançado em 2016 e que nos agracia com duas versões da música. Uma das versões é mais acústica, curta, melancólica e com uma orquestração suave, quase como uma canção de ninar. A segunda versão, ao vivo na BBC, é mais intensa e visceral, com seus aproximadamente 10 minutos de duração.  

 “Echoes” se inicia com sons de pingos emulados por Wright no piano e caixas Leslie, nos levando aos poucos por nossa viagem de ficção nas profundezas do oceano, saindo das convencionais viagens interestelares. O ponto alto da música é certamente o dueto entre Gilmour e Wright permeado por um instrumental obscuro, misterioso e ao mesmo tempo acolhedor. Esse dueto é tão marcante que, após a morte de Wright, Gilmour não mais viu sentido em tocar “Echoes” em seus shows. O sentimento que Gilmour coloca nos solos de “Echoes” é brilhante e a música vai ganhando força nas baquetas de Mason, sendo muito bem costurada pelas linhas de baixo bem escolhidas de Waters. Na parte central a música vai ficando mais dançante, até se abstrair totalmente no canto das baleias e criaturas marítimas, com sons de gaivotas sobrevoando as águas como já bem diriam os versos iniciais da letra “overhead the albatross hangs motionless upon the air and deep beneath the rolling waves in labyrinths of coral caves”. Aos poucos a suíte engrandece, retoma o tema inicial e depois se encerra lentamente em fade-out.

Já a versão ao vivo na BBC de “Embryo” dispensa introduções demoradas e começa direto ao ponto, intensa. Diminui um pouco a dinâmica para a entrada dos vocais que vão nos dizer “all is love, is all I am”, deixando claro a pureza do amor em questão e dando a notícia de que logo ele virá ao mundo em “I feel my dawn is near” e “I will see the sunshine show”. A secção intermediária da música faz uma brincadeira entre os instrumentos e o som de crianças brincando e as risadas de um bebê. Aos poucos a música retoma o tema inicial para assim se encerrar. 

A semelhança entre as duas suítes não é mera coincidência. Por terem sido desenvolvidas na mesma época, alguns sons estão presentes em ambas como, por exemplo, o som da guitarra de Gilmour ligado ao reverso num pedal de wah-wah simulando um “canto de baleias” que viraria um marco em “Echoes”. Não apenas os sons se entrelaçam, como a estrutura das músicas: ambas possuem a parte inicial e final bem definida em torno de um tema principal, mas na seção intermediária somos invadidos por uma completa abstração – enquanto “Echoes” tenta simular os sons das profundezas marítimas, “Embryo” brinca com os sons puros de uma criança recém-nascida. O lirismo das duas peças também é compatível, uma vez que “Echoes” fala, de maneira abstrata, sobre humanidade, empatia e autoconhecimento através da conexão com o outro, enquanto “Embryo” fala da pureza, do amor em sua forma mais inocente e gestativa, querendo vir para a luz do mundo tal como as profundezas do oceano procuram pelos feixes de luz do Sol. É valido ressaltar também que “Echoes” chegou a ser nomeada como “Nothing”, “The Son of Nothing” e “The Return of the Son of Nothing” durante seu desenvolvimento, sendo esse “filho” a “Embryo”, que funcionou como um grande laboratório de ideias embrionárias para que “Echoes” ganhasse vida – e que vida!

E ai, já floydiou hoje? Ainda é tempo!

Raphaela de Oliveira

Raphaela de Oliveira

Contrabaixista mineira que escolheu a Física como profissão. Divide o tempo que resta entre o ballet clássico, os vinhos e seus preciosos vinis. É capaz de prosear horas a fio sobre sua paixão - o rock progressivo! Aceita um cafézin?

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