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Progressivando: Curved Air – Live (1975)

“Pela primeira vez em dois anos, o original CURVED AIR” – Assim começa o visceral primeiro álbum ao vivo dessa banda inglesa, que misturou pitadas de música erudita e folk com o rock progressivo. Pioneiros dentro do gênero em explorar o violino como um dos seus pilares sonoros, o grupo também se destacava pela inigualável voz de Sonja Kristina, o que a tornava uma das poucas referências femininas no prog.

Formado em 1970, o Curved Air contava com Rob Martin (baixo), Florian Pilkington-Miksa (bateria), a já citada Sonja Kristina (vocais e principal letrista), Francis Monkman (teclado e guitarra) e Darryl Way (violino, teclado e vocais de apoio) – sendo estes dois últimos os grandes líderes criativos da banda. Essa formação de ouro do Curved Air (a excetuar pela troca constante de contrabaixistas) gravou os três primeiros e irretocáveis álbuns – Air Conditioning (1970), Second Album (1971) e Phantasmagoria (1972) – nos quais estão as músicas de maior sucesso da banda, como “Back Street Luv” e “It Happened Today”.

Entretanto, não fugindo à regra histórica de que toda banda com mais de um líder criativo tende a divergir artisticamente, após o terceiro álbum o clima harmonioso de composição da banda já não era mais o mesmo e tanto Way quanto Monkman deixaram a banda, restando ao Curved Air tentar se reerguer com novos integrantes e, como num último suspiro, lançar em 1973 o quarto álbum da banda – Air Cut. O álbum não teve grande repercussão e logo a banda de desfez de vez.

O Curved Air em 1972

Parece inusitado, mas esse grandioso primeiro álbum ao vivo do Curved Air veio da necessidade de pagar boletos! Em 1974 a banda foi processada e precisava pagar enormes taxas. Para levantar a grana, foi organizada naquele mesmo ano uma pequena turnê de algumas semanas nas terras britânicas, contando com a formação de ouro e a única participação do baixista Phil Kohn na carreira da banda. Foi exatamente dessa pequena turnê que nasceu o Live, lançado em 1975. Sabe quando você já não tem mais nada a perder nem a provar e por isso tudo o que resta a você é ser você mesmo?

Esse álbum é de uma verdade intensa, muito conduzida pela força espirituosa dos vocais da Sonja, que diferem dos álbuns gravados em estúdio pela carga de raiva e intensidade, com drives e gritos quase guturais em alguns momentos. O ao vivo conta com os maiores clássicos da banda, sendo praticamente um “best of” com as canções em as suas melhores versões! É possível sentir a cada música o contexto conturbado que os integrantes estavam vivendo, como se nada disso fosse possível ser colocado em palavras, como se não houvesse diálogo que fosse suficiente, como se apenas a música pura, bem feita, arte pela arte, pudesse materializar as emoções.

Acostumados a fazer turnês com seus próprios engenheiros de som, o Curved Air não deixa nada a desejar em temos de gravação e mixagem nesse ao vivo, revelando uma sonoridade para frente e com timbres recheados das unicidades de cada instrumentista: o violino muitas vezes com drive conversando de igual para igual com as guitarras e as teclas virtuosas respondendo à altura, enquanto o contrabaixo costura toda essa mistura de informações com linhas brilhantes, deixando para a bateria o papel da solidez. E a Sonja… Ah, a Sonja… mas eu te desafio a não querer gritar junto com ela na tremenda presença de sua voz!!! Num álbum com tantas músicas fantásticas como “Marie Antoinette”, “Young Mother”, “Everdance”, uma releitura sem precedentes de “Vivaldi” (destacando aqui as influências da música erudita nas raízes da banda), além dos dois grandes sucessos já citados da carreira da banda, fica difícil eleger só uma canção que se destaque. Contudo, é possível que “Propositions” ocupe esse patamar pela tamanha ousadia com a qual a banda conduziu essa versão em comparação com a original de estúdio – um estouro para os ouvidos, apenas!

Muitas vezes comparado ao Renaissance, que também era uma banda voltada para o rock progressivo com vocais femininos da angelical Annie Haslam, nesse ao vivo o Curved Air deixa bem claro que está muito distante dessa comparação. Enquanto o Renaissance conversa tranquilamente com o rock sinfônico, o Curved Air é a tensão em sua boa forma, pronto para agradar até mesmo fãs de Black Sabbath (grupo para o qual abriram vários shows durante a carreira, inclusive).

Após o lançamento de Live, a banda conseguiu tomar um novo fôlego, se recompor com outras formações e seguir em frente. Desde 2008 o grupo está ativo com uma formação relativamente estável, liderada por Sonja. Em 2020, o Curved Air viria para suas primeiras apresentações no Brasil acompanhando o já veterano Renaissance, mas o coronavírus chegou primeiro, adiando as prometidas noites históricas para outro momento… O que será que 2021 nos reserva?

Não conhece o Curved Air? Pois indico esse álbum sem defeitos para se apreciar do início ao fim e lavar a alma – prepare-se para vibrar! O Live tem 20 edições em LP, 9 em CD e até uma em fita K7! Para quem prefere ouvi-lo na internet, o disco está completo no YouTube – as outras plataformas, porém, não conhecem a beleza dessa obra!

Bora colocar esse disco para rodar! Mantenham a boa música viva!

Raphaela de Oliveira

Raphaela de Oliveira

Contrabaixista mineira que escolheu a Física como profissão. Divide o tempo que resta entre o ballet clássico, os vinhos e seus preciosos vinis. É capaz de prosear horas a fio sobre sua paixão - o rock progressivo! Aceita um cafézin?

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