Progressivando – Duas suítes do Prog
Que o rock progressivo é conhecido por suas músicas longas e complexas nós já sabemos, mas que tal conhecermos um pouco mais de suas clássicas suítes? No Progressivando de hoje teremos uma dupla de titãs para preencher facilmente quase uma hora de música: ELP e Yes!
Suítes são peças subdivididas em movimentos, cada um com sua atmosfera e dinâmica distinta, que se unem por um tema ou conceito. O termo veio do universo erudito (que volta e meia mostra o peso de sua influência sobre o rock progressivo) e foi muito bem incorporado por diversas bandas icônicas do gênero. Dentre elas, o trio megalomaníaco Emerson, Lake & Palmer e o grupo de virtuosos Yes.
Tarkus
Começando pelo trio Emerson, Lake & Palmer, temos uma das primeiras suítes do prog – “Tarkus”, a cinquentona subdividida em sete movimentos e lançada em 1971 no segundo álbum da banda, que recebeu o mesmo título da canção. Ocupando o primeiro lado inteiro do disco, “Tarkus” tem uma estrutura interessante com as partes ímpares sendo secções instrumentais e as partes pares sendo secções com o ar da graça dos belíssimos vocais de Greg Lake – já revelando a intensa preocupação do trio de que a peça épica fosse coesa em todos os âmbitos.
Numa temática de ficção científica, a história da suíte gira em torno do personagem principal Tarkus, que é uma simbiose de um tatu cheio de ego com um tanque de guerra. O primeiro movimento é “Eruption”, quando Tarkus surge avassalador de uma erupção vulcânica, aterrorizando tudo e a todos ao seu redor e a dica para apreciar a importância dessa parte é: atentar-se ao riff principal governado pelos teclados de Keith Emerson, bem como o timbre, pois ele sempre irá nos indicar as aparições do personagem Tarkus ao longo da suíte! O segundo movimento é “Stones of Years”, no qual a letra nos revela um perfil intransigente, opulento, destrutivo e arrogante do tatuzinho de guerra!
Tarkus segue passando por cima dos oponentes que vão surgindo em seu caminho nos movimentos que se seguem – “Iconoclast” e “Mass” – até se deparar com um oponente realmente a sua altura em “Manticore”. A manticora é uma figura mitológica com rosto humano, corpo de leão e ainda ganha um rabo de escorpião na visão do trio, contando com sua própria identidade sonora. A batalha entre Tarkus e Manticore é traçada no movimento “Battlefield” com a presença de guitarras cheias de sentimento numa das poucas contribuições de ficaram a cargo de Greg Lake na suíte. A Manticora vence Tarkus, simbolizando a vitória sobre a intolerância, e peça se encerra em “Aquatarkus”, com um Tarkus derrotado, marchando para as águas, em contraposição ao seu nascimento dentre lavas. A compreensão do enredo fica também a cargo da arte interna do disco (de encher os olhos!):
Pode-se dizer que “Tarkus” é quase uma obra particular de Keith Emerson, que tomou para si todas as dores e glórias da composição, trabalhando pesado para deixar tudo coeso e fazer com que os instrumentos contassem a história tão bem quanto as palavras. A suíte criou grande animosidade no trio, sendo a raiz da divergência entre Keith e Greg, que foi domada pelos empresários e produtores da banda e acabou culminando numa das peças mais icônicas do rock progressivo! De quebra, Carl Palmer seguiu fazendo seu trabalho extraordinário de dar força, energia e intensidade para a percussão do trio.
Close To The Edge
“Close to the Edge”, vinda ao mundo no ano posterior a “Tarkus”, também ocupou o primeiro lado inteiro do álbum de mesmo nome da banda Yes. A música começa intensa dando início ao primeiro de seus quatro movimentos – “The Solid Time of Change”, repetindo em variações um mesmo tema, mesclando uma estrutura firme com secções improvisadas e bastante informação para ser digerida vinda de todos os instrumentistas. Diferente de “Tarkus“, “Close to the Edge” não conta uma história de ficção com um enredo fechado, mas sim, aborda de forma metafórica e abstrata temas budistas, reflexões sobre a vida, a natureza, as mudanças, a ideia de um todo, o Universo.
O segundo movimento é “Total Mass Retain” e se inicia dando continuidade ao primeiro, mantendo certa agressividade e energia, como se estivéssemos acumulando toda a carga do Universo dentro de nós mesmos. Uma vez tendo acumulado tanta informação, é chagada a vez de processar tudo isso – o terceiro movimento é “I Get Up I Get Down” e se inicia como uma reflexão interna, de olhar para si, de introspecção, quando a música diminui em dinâmica e reduz seu andamento. Nessa parte não temos a presença nem do contrabaixo, nem da bateria, a canção se reduz aos arranjos vocais, a um teclado discreto e à guitarra apenas como forma de criar ambientação. Ao final do terceiro movimento, a música volta a crescer guiada pelas teclas e cai em “Seasons of Man”, o quarto e último movimento de “Close to the Edge”. A banda então retoma o tema inicial do primeiro movimento com mudanças de tom, andamento, deixando a música cada vez mais grandiosa, épica e com uma atmosfera de plenitude, de paz interior, até que se encerra, cravando “Close to the Edge” como uma das mais adoradas suítes de toda a história do rock progressivo… Impossível esquecer a sensação de se ouvir esse clássico pela primeira vez!
Mas todo grande trabalho demanda, inevitavelmente, grande carga de estresse e o fantasma assolador das boas suítes também deu o ar da graça no Yes, criando climas de tensão entre os membros da banda tal qual fez com Emerson, Lake & Palmer. Ainda que maior parte da composição tenha ficado a cargo do vocalista Jon Anderson e do guitarrista Steve Howe, a insistência criativa do baixista Chris Squire e sua fissura na produção da música com inúmeras camadas levou a um desgaste permanente do baterista Bill Bruford, que resolveu deixar a banda logo após as gravações para se juntar a outro titã do progressivo, o King Crimson. Contudo, “Close to the Edge” permaneceu como um dos melhores registros do trabalho de Chris e Bill juntos, ficando mais evidente ainda em versões isoladas de baixo e bateria da suíte, com a qual encerramos o Progressivando de hoje:
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