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Progressivando: Amon Düül II – Carnival in Babylon (1972)

O que fazer quando a identidade cultural do seu país está manchada pelo nazismo? Como buscar referências e ser autêntico sem poder se espelhar em nada que está ao seu redor? Amon Düül II foi uma das irreverentes bandas alemãs que conseguiu achar um caminho muito digno para essas respostas, e o assunto do Progressivando de hoje é Carnival in Babylon, quarto álbum do grupo lançado em 1972.

Em meados dos anos 1960-1970, Munique era uma das grandes cidades da Alemanha Ocidental, onde reinava um silêncio ensurdecedor sobre qualquer referência à Segunda Guerra Mundial e a tudo que a Alemanha havia vivido – ninguém ousava proferir um comentário que fosse, seja por vergonha ou por um apoio, que passou a ser extremamente condenável. Nesse contexto, parte da juventude alemã precisava externalizar uma carga absurda de emoções, mas com o ideal de ser autêntica, resgatar a imponência de suas origens e não copiar o que consumiam de outras potências como a Inglaterra ou Estados Unidos. O caminho para isso foi se pautar na música folk tradicional alemã, na música clássica, em elementos espaciais e muito – muito – experimentalismo. Tudo isso fomentou o surgimento de uma classe artística vívida, pulsante e bastante não-convencional em Munique – berço no qual nasceu o Amon Düül II. 

A música que ficou associada a todo esse movimento jovem revigorante alemão acabou por ser conhecida como Krautrock, um estilo de rock experimental marcado pela incorporação de muitos elementos da música eletrônica através do uso aflorado dos primeiros sintetizadores. Mas enquanto algumas bandas dentro do rock alemão seguiam uma veia mais eletrônica e experimental, outras conversavam mais tranquilamente com o rock progressivo britânico. Em 1972, o Amon Düül II lançou uma dessas obras que transitam bem entre o rock progressivo britânico e o krautrock: Carnival in Babylon. Nessa altura do campeonato, a banda já tinha lançado outros três discos pelo selo Liberty, que se transformou em United Artists Records e lançou o quarto álbum da banda em questão.

Os três primeiros discos eram mais voltados para o experimentalismo com longas peças e improvisações. As formações da banda nos anos iniciais tinham um núcleo conciso entre idas e vindas de demais amigos da própria cena como integrantes ou convidados especiais. Para Carnival in Babylon, temos a imponente mulher-de-frente da banda Renate Knaup nos vocais, John Weinzierl nas guitarras e vocais – também responsável por boa parte das composições junto com Falk Rogner, que por sua vez se dividiu entre conceber a arte incrível da capa do disco e tocar órgão. Temos ainda Lothar Meid no contrabaixo, Joy Alaska nos vocais de apoio, Chris Karrer se dividindo entre violino, sax, guitarras e vozes, Danny Fichelscher e Peter Leopold nas baterias, Karl-Heinz Hausmann nos teclados e Olaf Kübler produzindo o disco junto com os outros membros da banda e tocando sax. Essa lista extensa de músicos é o reflexo da rica criatividade e comunidade do Amon Düül II, com muitos elementos sonoros que fazem com que esse disco leve o ouvinte a novas descobertas a cada audição. 

O disco abre com “C.I.D. in Uruk” já mostrando uma pitada de folk com uma base acústica, arranjos vocais bem interessantes (dobrados em sua maioria), uma linha de baixo que guia precisamente a música entre o piano e guitarras distorcidas. A música é cantada em alemão e Uruk é uma referência a uma cidade da região que ficou conhecida como Babilônia. O disco parte para “All the Years Round” com belíssimos vocais de Renate, numa pegada mais melancólica e com uma pitada de raiva revelada na letra que faz uma forte crítica político-social como em passagens como “neo-nazi doom advisors sticking in the mud” e “pig-pink-coloured ministers are ready to drop”. Fechando o primeiro lado, temos “Ballad of the Shimmering Sand” que se inicia brilhantemente num diálogo entre o contrabaixo e os violões. Vale destacar nesse álbum os timbres e solos de guitarra bem colocados em todas as músicas.

Virando o disco, “Kronwinkl 12” abre o lado B e nos mostra vocais sintetizados dando um aspecto metálico para as vozes. A música é guiada mais uma vez pelo contrabaixo, enquanto a guitarra aparece discreta na base e gritante nas intervenções pontuais durante toda a música até desaguar num solo intenso com a música agora num andamento bem energético. A letra vai falar de como a sociedade parece cinza e cheia de artimanhas para conter nossa expressividade, deixando um recado para não nos deixarmos limitar por essas imposições em passagens como “I always try not to lose the freedom of my mind”. “Tables are Turned” dá sequência ao álbum e traz mais uma vez a raiz folk para a sonoridade do grupo, com uma canção de base acústica, elementos percussivos e uma levada para cima e contagiante em contraste com a distopia revelada pela letra. O disco se encerra com “Hawknose Harlequin”, uma música dividia em diferentes climas, com uma passagem intermediária bem psicodélica onde o contrabaixo fica repetindo o mesmo riff quase em um mantra, enquanto as teclas dão atmosfera e ambientação para um solo de guitarra bem extenso numa espécie de viagem pela Babilônia.

Outras edições posteriores de Carnival in Babylon contam com faixas bônus e, em especial, gostaria de recomendar a edição de 2007 lançada em CD, com o acréscimo de duas excelentes faixas instrumentais cheias de improvisação: “Skylight” –  onde o destaque vai para a bateria forte totalmente na frente, com todos os outros instrumentos criando atmosfera para a música, e “Tatzelwurmloch” – com seus mais de 17 minutos de inspiração arábica e mediterrânea, a música pode ser apreciada em uma espécie de contemplação introspectiva (aqui vale a pena tirar um tempo para se deixar levar pela música enquanto se tenta extrair algum significado da arte do álbum). Ah, essa é a versão que está disponível também nas plataformas digitais, olha que sorte? Já as versões em vinil desse álbum… cada vez mais difíceis de fisgar!

Carnival in Babylon exala um misticismo que poucas bandas conseguem, envolvendo o ouvinte do início ao fim em uma mistura infindável de sonoridades. Apesar do conceito do álbum parecer desconexo em algumas partes, o disco tenta girar em torno de um mesmo tema: um carnaval na Babilônia, não exatamente em um sentido literal, mas um sentido abstrato que envolva a experimentação de culturas diferentes fundidas através do som para passar a mensagem de liberdade que sempre foi tida como o principal pilar. 

Prepare sua imersão para esse disco e mantenha a boa música viva!

Raphaela de Oliveira

Raphaela de Oliveira

Contrabaixista mineira que escolheu a Física como profissão. Divide o tempo que resta entre o ballet clássico, os vinhos e seus preciosos vinis. É capaz de prosear horas a fio sobre sua paixão - o rock progressivo! Aceita um cafézin?

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