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Progressivando: Islands (1971) – King Crimson

Muito renega quem não toma Islands como um dos grandes e únicos discos da carreira do King Crimson – banda quase sempre tida (justificadamente) como o berço do rock progressivo. Lançado em dezembro de 1971, é o quarto álbum de estúdio da banda e o último a ter todas as letras creditadas ao poeta Peter Sinfield, bem como os “sons e visão”. Junto a Sinfield, o genioso guitarrista Robert Fripp é quem assina todas as composições do LP. O baixista Boz Burrell (creditado também como responsável pelos vocais principais e “coreografia”) se junta ao saxofonista e flautista já tão conhecido dos fãs, Mel Collins, e ao percussionista Ian Wallace como formação responsável por gravar a obra, além de outros músicos convidados. 

Quem abre nossa viagem até a ilha Carmesim é um contrabaixo acústico tocado com arco por Harry Miller (pensa nessa sonoridade lindíssima que vem te dar boas-vindas logo de cara!). Nessa atmosfera densa e misteriosa, inicia-se “Formentera Lady”. A flauta e um leve piano ao fundo trazem graciosidade para contrapor a atmosfera nebulosa da introdução e, em camadas, desenvolver a música. Em seguida entram os vocais suaves para cantar as primeiras estrofes que nos introduzirão à ilha (Formentera é ainda uma referência a uma pequena ilha da Espanha). A música é permeada por barulhos cintilantes agudos, como se fosse possível ouvir o momento mágico de contemplação que o eu-lírico descreve na letra. Ao final, a música parece literalmente se perder nessa doçura contemplativa, dando espaço pouco a pouco para o soprano de Paulina Lucas ganhar nossa atenção. 

O disco segue em contínuo para “Sailor’s Tale”, uma composição instrumental com seus vastos 7 minutos, onde a bateria e o baixo elétrico dão um novo rumo para a dinâmica do disco e prumam o curso da navegação espacial para uma passagem mais experimental e caótica, característica marcante do King Crimson. Vale destacar nessa música a sonoridade conturbada e esquizofrênica que o Robert Fripp arranca da sua guitarra e crava como o verdadeiro significado de desbravamento desse nosso conto de marinheiro. A música cresce e a bateria de Ian Wallace ganha mais e mais espaço para seu frenesi final. 

Com grandes chances de estar entre os poemas mais intensos e bonitos já escritos por Peter Sinfield ao King Crimson, “The Letters” encerra o primeiro lado do disco. Em poucos versos, Sinfield nos conta a triste história de uma mulher que contempla o suicídio após ler uma carta escrita pela amante de seu marido revelando que estava grávida. Mas, como um típico poema, nada é dito em claras palavras e sobram brechas para outras interpretações, como a de que a esposa traída na verdade tenha assassinado seu marido (fica aqui um espaço para você gastar sua imaginação). As metáforas da letra são dignamente traduzidas em sons pelas dinâmicas e diferentes abordagens que os vocais se permitem ao longo da música. A canção ainda conta com um forte interlúdio instrumental representando a dor e a desilusão devastadora de se receber uma notícia dessas. 

O King Crimson em 1971

Virando o disco, caímos na famigerada “Ladies of the Road” – uma das mais envolventes e sedutoras canções do King Crimson. Cantada quase como um sussurro ao pé do ouvido, com a guitarra de longe dando o contexto, a letra da música vai capturar bem o envolvimento dos músicos com as paixões ardilosas da estrada até se desaguar em êxtase num belíssimo sax ao estilo visceral King Crimson de ser. Temos também um ótimo solo de guitarra de Fripp, enquanto o refrão nos reserva certa ingenuidade pelo arranjo das vozes em coro, que se mistura com os jogos de sedução e efemeridades da vida na estrada. 

O disco segue para “Prelude: Song of the Gulls”, uma peça instrumental maravilhosa com um arranjo mais erudito explorando as cordas e sopros. Islands nos serve de bandeja diversos sons lindos como, por exemplo, o oboé de Robin Miller e o piano de Keith Tippett – vale muito a pena prestar atenção nos detalhes desse disco! A canção praticamente prepara nossa jornada para o encontro final das ilhas.

A última música, que também dá nome ao disco, remete-nos sonoramente a uma marcha, enquanto a letra vai descrevendo de forma introspectiva uma ilha, circundada pelas ondas que tocam e levam seus grãos de areia, seus pedaços. Nessa marcha final de mais de nove minutos, somos agraciados com um belíssimo solo de corneta de Mark Charig, trazendo uma sensibilidade particular para “Islands”.

Análogas às ilhas terrestres, são as nebulosas – nuvens de matéria estelar compostas basicamente por gases e poeira, sendo sítios de formação de estrelas. Nesse sentido, a capa do álbum retrata uma ilha de forma sutilmente metafórica com a imagem (cedida pelo Instituto Carnegie) da nebulosa Trífida (M20) da constelação de Sagitário – constelação onde se localiza o centro da nossa galáxia Via Láctea e, muito provavelmente, o buraco-negro supermassivo Sagittarius A em torno do qual gravitamos. Inspirador, não? 

Islands completa seus 50 anos em 2021 e permanece fantasticamente atemporal. Vá logo progressivar seus ouvidos com essa belezura!

Raphaela de Oliveira

Raphaela de Oliveira

Contrabaixista mineira que escolheu a Física como profissão. Divide o tempo que resta entre o ballet clássico, os vinhos e seus preciosos vinis. É capaz de prosear horas a fio sobre sua paixão - o rock progressivo! Aceita um cafézin?

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